De vítima a aprendiz e de coadjuvante a protagonista da própria história
Por Adriana Fellipelli, para o Linkedin
“O campo da derrota não está povoado de fracassos, mas de homens que tombaram antes de vencer.”
– Abraham Lincoln, 16º presidente americano
“O importante é competir”, afirma o mantra olímpico. Esse lema, contudo, nunca esteve tão distante da realidade quanto agora. Estamos vivendo uma aversão generalizada à derrota; esse comportamento, por sua vez, reflete uma sociedade imatura e incapaz de acolher derrotados, digerir derrotas e evoluir a partir delas.
Melindrosos, incapazes de encarar críticas como degraus e problemas como oportunidades de crescimento, os derrotados frequentemente experimentam a sensação de PT ou “perda total” quando ficam fora do pódio, após quatro longos anos de muito treinamento e sacrifícios – algo bastante parecido com a frustração experimentada por um profissional que não é admitido para a vaga cobiçada, não recebe a promoção que esperava ou o aumento que pediu. Ela faz parecer que tudo foi em vão; pouquíssimas pessoas conseguem vislumbrar além, distinguindo cada derrota como uma pedra que pavimenta a estrada do êxito futuro, ou parcelas a pagar para obter uma grande recompensa mais adiante.
Atletas de ponta, assim como muitos profissionais e líderes de sucesso, não são treinados para lidar com reveses, e nossa cultura rejeita o perdedor.
O desdobramento dessa lógica leva ao menosprezo pela rica porta de autoconhecimento que uma derrota pode abrir.
Ideal da sociedade atual, o campeão é lembrado e valorizado pela suplantação do outro, independentemente dos recursos empregados para tal fim. O derrotado, por sua vez, deve encarar a vergonha pelo objetivo perdido, a confusão gerada pela inaptidão e a falta de reconhecimento pelo esforço feito.
É natural querer ganhar, porém é importante não perder de vista a variedade de fatores envolvidos nesse processo: sorte, competências específicas, experiência, preparo, estratégia… A maioria das pessoas não compreende a condição de ganhador e perdedor como transitória, por isso acaba não sabendo se comportar em nenhuma das duas posições: são vencedores que desrespeitam vencidos e vice-versa.
É urgente analisar a fisiologia e os símbolos por trás da derrota. O orgulho, o prestígio e a honra são reservados a uma pequena elite de heróis, enquanto aos superados resta o ostracismo.
O triunfo absoluto da performance flerta com um insano apelo à perfeição, um ideal inalcançável que atormenta e adoece milhões de pessoas ao redor do mundo, em todas as áreas de atuação.
O saldo final, independente de resultados objetivos, não poderia ser mais negativo: permanecemos inconscientemente atordoados por essa miragem coletiva chamada vitória, sem nunca esmiuçar os inúmeros insucessos que a precederam.
Não obstante, em vez de estímulos voltados à superação de adversidades, o profissional é condicionado a reclamar supostos “direitos” legitimados, segundo a lógica da argumentação, pela culpa coletiva frente à sua própria inaptidão. Quem não consegue absorver críticas e reconhecer os erros passados está fadado a repeti-los, geralmente de forma ainda mais grave, penalizando colegas, gestores, a organização e a si mesmo.
O mercado de trabalho pós-normal não tem mais espaço para funcionários dependentes da empresa, que vivem esperando que alguém tome suas decisões de desenvolvimento pessoal e carreira. O novo BANI requer pessoas intraempreendedoras, com visão de dono e dispostas a atuar na linha de frente para lidar com a competição acirrada e as rápidas mudanças dos negócios.
Trata-se, contudo, de uma enorme mudança cultural nas relações de trabalho. O mercado de trabalho brasileiro foi erguido sobre uma crença equivocada na hipossuficiência do trabalhador, que sempre foi visto como vítima da empresa em que atua. Todo o processo de evolução do mercado se deu a partir dessa premissa, com o profissional no papel de figura frágil e inimputável da relação, que precisa ser protegido e conduzido pela organização.
O mundo mudou, mas esse modelo mental ultrapassado permanece até os dias de hoje. A cultura vigente ainda é extremamente paternalista, e resulta em funcionários que se comportam como consumidores dentro da empresa. As desculpas mais comuns são feedback insuficiente, problemas de política empresarial e gestão de pessoas. Há sempre um culpado – que obviamente nunca é o próprio indivíduo – ou fator externo para justificar as derrotas. Trata-se de uma característica transgeracional – existem tanto millennials quanto baby boomers prontos a jogar todos os reveses na conta do paternalismo empresarial.
Apesar de temas como propósito e automotivação estarem em evidência na mídia, na prática muitas pessoas ainda anseiam por planos de carreira e chefes que lhes digam sempre o que fazer – e assumam a culpa por seus erros.
O protagonismo profissional contemporâneo, no entanto, demanda iniciativa para identificar falhas, corrigir comportamentos, explorar novos caminhos e, inclusive, mudar os rumos da carreira quando necessário.
Não é razoável esperar que a empresa ofereça todas as respostas. Elas cabem, sobretudo, ao profissional que toma as rédeas da própria atuação. Os líderes, por sua vez, devem se empenhar em construir uma cultura que possibilite e incentive uma reflexão permanente sobre resultados positivos e adversos, criando oportunidades de ajuste e crescimento.
O otimismo tóxico
Embora a esperança costume ser benéfica, até mesmo o otimismo pode ser tóxico em doses muito elevadas. O filtro da positividade exacerbada muitas vezes conduz à imprudência, configurando uma armadilha que nos fragiliza diante das dificuldades.
Em algumas empresas, por exemplo, é quase um insulto e uma falta grave alguém sugerir que um plano pode não funcionar. Quando o plano B é abortado pelo otimismo cego, carreiras e organizações ficam vulneráveis e em perigo iminente.
Maturidade profissional significa estar totalmente dedicado a superar obstáculos, mas simultaneamente pronto para se reerguer após uma queda. Estabelecer bons planos nos ajuda a perseguir as metas com paixão e comprometimento, porém não é pecado nem fraqueza ter uma boa alternativa caso as coisas não saiam como previsto.
Outro ponto importante é o imediatismo – cada vez menos pessoas têm paciência suficiente para realizar o eficiente, porém exaustivo, “trabalho de formiguinha”. Deseja-se, porém, uma farta colheita imediatamente após ou até antes de cultivar qualquer coisa – nesse sentido, “a pior ambição do homem é querer colher os frutos daquilo que nunca plantou”, já afirmava em meados do século 18 o célebre economista britânico Adam Smith (Smith, 2015).
Não é coincidência, portanto, que a vida útil do treinador brasileiro seja tão curta – uma pesquisa considerando os dados de 2011 a 2019 indica que a quantidade de técnicos que atuaram no Brasil chega a ser quase o triplo em comparação aos outros países em que houve mais troca (Globo Esporte, 2021). Reconhecer que o seu time não jogou bem o bastante ou que o adversário foi superior é um desafio e tanto para o brasileiro – ao contrário da torcida da Juventus, por exemplo, que aplaude um belo gol de bicicleta que elimina sua equipe da competição.
Profissionais e até CEOs também são vítimas frequentes dessa mentalidade; enquanto em empresas familiares os líderes chegam a ficar 30 anos no cargo, nas organizações privadas o tempo médio costuma ser de no máximo cinco anos (Cambridge Family Enterprise Group, 2021).
A repulsa da perda, contudo, não é exclusividade nacional: nos Estados Unidos, uma das piores ofensas que alguém pode receber é ser chamado de loser ou perdedor. A mágoa profunda causada por esse xingamento revela o despreparo para lidar com o fracasso, que também aflige os americanos.
Em qualquer profissão, desfrutar do percurso é tão ou mais importante do que cruzar a linha de chegada.
As conquistas podem e devem ser celebradas, porém é importante manter em mente que elas são pontuais – é necessário vivenciar plenamente os desafios e lições de cada etapa do processo até alcançar o objetivo final. Com origem no latim, a palavra carreira significa um caminho, uma trilha. Por que, então, deveríamos apreciar essa jornada apenas quando ela chega ao destino planejado?
“O desejo de preparar-se para a vitória deve ser maior que a vontade de vencer”, ensina o ex-jogador e treinador de voleibol Bernardinho (Bernardinho, 2011). É fundamental encarar a carreira como um círculo virtuoso de aprendizados, pois a sabedoria que adquirimos no seu decorrer é perene, e o sucesso representa uma mera consequência dela.
Definitivamente não estamos familiarizados com a perda, embora ela permeie nossa existência desde sempre. Ainda na infância somos ensinados a vencer e “conquistar nossos sonhos”, porém ninguém nos ensina que a vida é um misto de perdas e ganhos, não uma subida contínua. De pequenas perdas diárias – como objetos, horários e prazos – a perdas imensuráveis, como a morte de entes queridos, nossas dores viram martírio quando não se pode – ou não se quer – aprender com elas e levantar a cabeça. Quem se vitimiza diante de uma derrota não é digno da redenção de uma volta por cima.
Perder é, acima de tudo, uma arte, um reencontro necessário consigo mesmo, uma oportunidade de revisitar o próprio eu, integrando fragmentos e polindo competências pessoais.
Afinal, “o correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”, refletia o escritor Guimarães Rosa.
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Referências bibliográficas
- SMITH, Adam. Teoria dos sentimentos morais. WMF Martins Fontes, 2015.
- GLOBO ESPORTE. Rotatividade dos Técnicos. Acesso em: 09/08/2021.
- Cambridge Family Enterprise Group, 2021. HSM Family Business: John Davis mostra 5 hábitos para sucesso de empresas familiares. Acesso em: 09/08/2021.
- BERNARDINHO. Transformando suor em ouro. Editora Sextante, 2011.
Subtema: Derrota: uma oportunidade para seu crescimento profissional.
Objetivo: Autoconhecimento, Autodesenvolvimento, Desenvolvimento Organizacional, Desenvolvimento de Equipe, Desenvolvimento de Liderança, Coaching, Coaching nas Empresas.