A era das adocracias digitais13 min de leitura

Compreenda como e por que as adocracias se mostram mais eficazes e adequadas a um cenário social, econômico e organizacional cada vez mais dinâmico.

Se você quer construir um navio, não reúna pessoas para coletar madeira e não atribua tarefas e trabalho a elas. O ideal é ensiná-las a ansiar pela imensidão infinita do mar.” – Antoine de Saint-Exupéry

Os grandes avanços tecnológicos dos últimos anos vêm transformando a sociedade e impactando nossas relações pessoais, profissionais e com o mundo em geral. Nesse cenário de mudanças, fica cada vez mais evidente a necessidade de modernização dos processos de criação e solução de desafios de negócios, fazendo as empresas acompanharem o ritmo da evolução do mercado.

Criado pelo visionário escritor norte-americano Alvin Toffler (1928-2016), o conceito de adocracia foi popularizado pelo livro Adhocracy: the power to change, de Robert Waterman (WATERMAN, 1994). A adocracia refere-se a modelos de gestão de empresas baseados em projetos não permanentes, ou seja, é caracterizada por grupos e equipes multidisciplinares que cooperam entre si para atingir um objetivo específico.

A adocracia (ou adhocracia), termo criado a partir da expressão em latim ad hoc (“para isto”), é um sistema de trabalho temporário, versátil, adaptativo e direcionado. Nele, a empresa forma um grupo de pessoas com profissões, conhecimentos e habilidades distintas, porém complementares, para solucionar um problema organizacional específico. Esse método administrativo opõe-se às práticas convencionais e burocráticas tradicionalmente adotadas nas companhias por meio da departamentalização do trabalho – a divisão rígida de funções e tarefas entre departamentos.

Figura 1.0 Adocracia: diversidade, foco e flexibilidade.
Figura 1.0 Adocracia: diversidade, foco e flexibilidade.

 

Em um contexto de alta mutabilidade, somente sobreviverão as empresas capazes de adaptar-se continuamente às variáveis do ambiente. O método adocrático busca resolver problemas mais rapidamente através de uma abordagem mais dinâmica, abrangente e integradora, que estimula a liberdade, a inovação e a criatividade da equipe de trabalho (CHIAVENATO, 2013).

Os grupos de pessoas regidos pela adocracia são formados circunstancialmente e costumam se dedicar a encontrar soluções em situações mais importantes e urgentes da organização. Esse processo geralmente é composto pelas seguintes práticas:

  • Criação multidisciplinar:

Um time multidisciplinar, que reúne participantes com diferentes perfis profissionais e pontos de vista, promove um processo de criação muito mais produtivo e eficiente. Assim, empresas que apostam em mesclar especialidades – desenvolvedores de tecnologia, cientistas de dados ou pesquisadores de um tema específico – na hora de criar soluções para os seus negócios obtêm uma importante vantagem competitiva em relação à concorrência.

A empresa Killer Infographics, por exemplo, alcançou ótimos resultados nos últimos anos ao convocar designers, roteiristas de cinema e pesquisadores de neurociência para descobrir uma nova fórmula para contar histórias visuais (KILLER VISUAL STRATEGIES, 2019). Ao aproveitar os conhecimentos de diversos especialistas, a empresa conseguiu mapear as reações que cada elemento narrativo desperta no cérebro, criando um modelo de arco narrativo visual.

A fabricante de produtos aeroespaciais Lockheed Martin (LOCKHEED MARTIN, 2019) também investe em criação multidisciplinar ao manter conversas regulares com diretores e roteiristas de cinema de ficção científica, buscando ideias e inspiração para a elaboração de novos equipamentos e dispositivos para a exploração espacial.

  • Trabalho colaborativo:

A solução para um problema de comunicação ou desafio de negócio pode vir de vários lugares. A Lego, por exemplo, costuma consultar seus fãs do mundo inteiro ao criar novos sets de produtos. Os temas sugeridos mais votados pelo público são produzidos e os autores das ideias, recompensados (LEGO IDEAS, 2019).

Além disso, por contarem com equipes de trabalho adocráticas, o ciclo de produção e go-to-market dos produtos da Lego é muito mais ágil do que o das outras empresas, o que permite que eles aproveitem melhor as oportunidades de mercado.

Até mesmo a NASA já recorreu ao público para solucionar seus problemas. No Space Poop Challenge (NASA, 2016), 20 mil pessoas comuns enviaram sugestões para que os astronautas, que precisam usar seus trajes espaciais por longos períodos – como no caso de uma despressurização, pudessem ir ao banheiro. O vencedor do desafio foi um médico chamado Thatcher Cardon, que empregou princípios da laparoscopia para adaptar o uniforme.

Figura 1.1 Space Poop Challenge.
Figura 1.1 Space Poop Challenge.

 

  • Pensamento “fora da caixa”:

Muitas vezes, a inspiração necessária para resolver uma questão complicada exige ousadia e um olhar tecnológico e inovador. A plataforma Artsy, por exemplo, decidiu revolucionar o mercado de compra e venda de obras de arte – um modelo de negócios tradicional e resistente aos avanços tecnológicos -, digitalizando galerias e promovendo transações online.

Além disso, foi desenvolvida também uma tecnologia para calcular o potencial de valorização de artistas em ascensão, baseada na análise de dados públicos como resultados de leilões, exibições em galerias, exposições em museus e propriedade de colecionadores particulares. Essa avaliação, por sua vez, é cruzada com informações de preferências artísticas dos clientes da plataforma, conectando novos artistas e galerias e possíveis compradores (ARTSY, 2019).

  • Poder descentralizado:

No método adocrático, o trabalho conjunto é focado em encontrar soluções para situações urgentes da empresa, por isso tudo é mais prático e não há espaço para hierarquias rígidas nos processos, como ocorre na burocracia. Um time constituído a partir dos princípios da adocracia é orientado pela inovação e reconhece a importância da integração vertical e da eliminação das barreiras funcionais.

  • Concentração na solução de um mesmo e único problema:

A adocracia é um modelo inspirado nas equipes de guerras, mais conhecidas como forças-tarefa, nas quais todos atuavam juntos em prol de um determinado objetivo. Sendo assim, além de permitir a promoção da participação das pessoas, o trabalho em equipe possibilita a fusão de diferentes conhecimentos, competências e habilidades para tratar de uma mesma questão.

Figura 1.2 Competências reunidas em prol de um objetivo em comum.
Figura 1.2 Competências reunidas em prol de um objetivo em comum.

 

A inovação adocrática ou baseada em equipes tende a ser mais rápida e efetiva do que a promovida por pessoas individualmente, considerando que dificilmente um único indivíduo conseguiria dominar todas as técnicas e ferramentas requeridas (MAITAL e SESHADRI, 2007).

 

Agilidade e mudança no cenário organizacional

É impossível progredir sem mudança, e aqueles que não mudam suas mentes, não podem mudar nada.” – George Bernard Shaw

O movimento da agilidade é uma das grandes novidades recentes no universo da gestão empresarial. Essa tendência baseia-se na premissa de que, atualmente, ser veloz é mais vantajoso do que ser forte, e para tanto as equipes de trabalho devem ter autonomia para detectar oportunidades e enfrentar desafios.

Na prática, a empresa passa a operar através de equipes multidisciplinares, inovadoras e direcionadas à análise e resolução de um determinado problema.

A valorização da diversidade e da velocidade, nesse caso, confronta os quatro grandes focos de instabilidade do universo corporativo: a volatilidade, a incerteza, a complexidade e a ambiguidade (VUCA).

Em seu livro “Empresas muito mais inteligentes: como integrar recursos intelectuais, produtos e serviços de formas úteis e dinâmicas, adicionando valores a seus clientes” (QUINN, 1996), o professor da Tuck School of Business, da Universidade de Dartmouth, James Brian Quinn, defende que “o intelecto e o software – como ele se refere à tecnologia da informação – são a fonte de praticamente todo valor econômico, crescimento e diferenciação competitiva”, além de parâmetros essenciais para organizar uma empresa.

Para obtê-los, Quinn recomenda que toda companhia adote a adocracia, um modelo organizacional mais caótico, idealizado para aproveitar as oportunidades rapidamente. De acordo com o professor, o método adocrático é duplamente vantajoso para uma empresa porque proporciona, de um lado, estruturas analíticas – a visão, os critérios de sucesso e as metas – e, de outro, equipes ad hoc (formadas conforme a situação e extremamente flexíveis) e sistemas desburocratizados – capazes de abreviar os ciclos de produção, elevar a capacidade de aprendizagem e reduzir os riscos.

Composta de “unidades independentes de colaboração”, a adocracia corresponde a grupos formados sob medida para uma situação e com uma única característica em comum: a busca pelo máximo conhecimento possível. Segundo Quinn, o conceito de adocracia refere-se a um sistema de organização do trabalho baseado na crença de que grupos constituídos por pessoas com pensamentos, formações, habilidades, profissões e conhecimentos diferentes são mais efetivos na resolução de problemas e desafios do que a tradicional divisão de trabalho em departamentos.

Além disso, devido ao foco em equipes altamente colaborativas, as empresas adocráticas geralmente enxergam ameaças e oportunidades em seu mercado mais prontamente, ganhando agilidade e detectando com mais facilidade os talentos individuais de seus funcionários.

Embora várias empresas já possuam pequenas equipes incumbidas de desenvolver novas ideias ou explorar mercados alternativos, o conceito de “adocracia ágil” propõe que a empresa seja gerida dessa forma por inteiro. Um recente artigo na Harvard Business Review (HBR, 2018) cita o caso da a companhia de defesa sueca Saab, que formou mais de cem times ágeis em áreas como software, hardware e fuselagem, para a construção do jato Gripen. A divisão de sistemas de informação de saúde da 3M e a alemã Bosch são outros exemplos relevantes.

A agilidade adocrática contesta frontalmente a noção de que a empresa deve ser vista como uma máquina e gerida segundo hierarquias e funções – teoria criada durante a Revolução Industrial e reforçada pela administração científica de Frederick Taylor (1856-1915), pela eficiência de Henry Ford (1863-1947) e pelo êxito empreendedor de Alfred Sloan (1875-1966), CEO da General Motors.

Oposta aos rituais burocráticos, a adocracia busca oferecer um serviço em simbiose com o cliente, testando ideias em pequena escala, trabalhando com grupos compactos em ciclos rápidos e com metas de horizonte curto. Tom Peters, famoso escritor e economista americano, resume esse processo em “testar rápido, falhar rápido, consertar rápido(PETERS e WATERMAN, 2006).

Já Julian Birkinshaw, professor de estratégia da London Business School e diretor do Instituto de Inovação e Empreendedorismo da consultoria Deloitte, apresenta uma definição mais abrangente de adocracia. Para ele, além de combater as ineficiências da burocracia, ela representa uma forma de inovar, convertendo planos em realização mais rapidamente e estabelecendo um novo paradigma de organização do trabalho e da produção – a chamada economia do aprendizado (LONDON BUSINESS SCHOOL, 2017).

No ano de 1994, Lundvall e Johnson, dois professores da Universidade de Aalborg na Dinamarca, escreveram um artigo chamado “The Learning Economy” (A Economia do Aprendizado) (LUNDVALL e JOHNSON, 1994). Nele, já falavam dos oceanos de informação que estavam se tornando disponíveis com a Internet, porém alegavam que, para navegar nesses oceanos, mais importante do que ter acesso ao conhecimento online era aprender a aprender.

Isso significa discernir o que é relevante e ser capaz de transformar conhecimento em valor.

Ainda de acordo com os professores, no contexto organizacional, a chamada economia do aprendizado se traduz na diminuição dos níveis e influência de hierarquias sobre os funcionários, na eliminação das barreiras de acesso às fontes de conhecimento e na promoção da ampla interação entre equipes, fornecedores, concorrentes, universidades e centros de pesquisa. Todos esses esforços devem ser destinados ao aprendizado e à inovação.

Figura 1.3 O poder do erro.
Figura 1.3 O poder do erro.

Birkinshaw explica que a agilidade adocrática está diretamente relacionada a vários conceitos bastante atuais: propósito, liderança compartilhada, multidisciplinaridade, busca da inovação, pivotar a estratégia (usar experiências fracassadas como aprendizados para mudar a orientação da empresa), etc.

O movimento das adocracias ágeis e digitalizadas vem se tornando cada vez mais forte nos últimos anos, ganhando a adesão de grandes empresas de consultoria. A Deloitte possui uma equipe dedicada ao assunto, assim como a Bain. A McKinsey formou um Agile Group, composto por mais de 50 especialistas no mundo inteiro em setores como gestão, marketing e operações digitais.

Todas têm uma meta em comum: alcançar o paradoxo que as companhias realmente ágeis dominam – dinamismo e estabilidade simultâneos.

Nas empresas, o equilíbrio entre romper a burocracia engessada e manter uma ordem produtiva pode ser considerado uma arte. A FELLIPELLI disponibiliza oferece assessments e cursos exclusivos nas áreas de desenvolvimento pessoal e de equipes, relacionamentos interpessoais, neuroplasticidade,  inteligência emocional e muitas outras.

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Para saber mais:

  • Fast/Forward: Make Your Company Fit for the Future. Julian Birkinshaw e Jonas Riddersträle. Stanford Business Books, 2017.
  • The Ultimate Book of Business Thinking: Harnessing the Power of the World′s Greatest Business Ideas. Des Dearlove. Capstone, 2002.
  • Mesh. Por que O Futuro Dos Negócios É Compartilhar. Lisa Gansky. Alta Books, 2012.
  • Gestão do Amanhã. Tudo o que você precisa saber sobre gestão, inovação e liderança para vencer na 4a Revolução Industrial. Sandro Magaldi e José Salibi Neto. Editora Gente, 2018.

Referências bibliográficas

  • WATERMAN, Robert H. Adhocracy: the power to change. W. W. Norton & Company; New Ed edition, 1994.
  • CHIAVENATO, Idalberto. Teoria geral da administração: abordagens prescritivas e normativas. Volume 1. Editora Manole, 2013.
  • KILLER VISUAL STRATEGIES, 2019. Acesso em: 15/06/2019.
  • LOCKHEED MARTIN, 2019. Acesso em: 15/06/2019.
  • LEGO IDEAS, 2019. Acesso em: 15/06/2019.
  • NASA, 2016. Acesso em: 15/06/2019.
  • ARTSY, 2019. Acesso em: 15/06/2019.
  • MAITAL, Shlomo; SESHADRI, D.V.R., 2007. Innovation management: strategies, concepts and tools for growth and profit. New Delhi: Response Books.
  • QUINN, James Brian. Empresas muito mais inteligentes: como integrar recursos intelectuais, produtos e serviços de formas úteis e dinâmicas, adicionando valores a seus clientes. Makron Books, 1996.
  • HBR, 2018. Acesso em: 15/06/2019.
  • PETERS, Tom e WATERMAN, Robert H. In Search of Excellence: Lessons from America’s Best-Run Companies. Harper Business, 2006.
  • LONDON BUSINESS SCHOOL, 2017. Adhocracy – a new management approach. Acesso em: 15/06/2019.
  • Lundvall, B. A., Johnson, B. (1994) The Learning Economy, Journal of Industry Studies, 1(2), 23–42.

 

Tema: RH, Cultura Organizacional.

Subtemas: O trabalho colaborativo e a multidisciplinaridade promovendo agilidade organizacional.

Objetivo: Desenvolvimento Organizacional, Team Building, Desenvolvimento de Equipes, Coaching nas Empresas.

 

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