Interações tecnológicas na vida “midieval” (Parte 2)18 min de leitura

– A nova vida “midieval”

A tendência do aperfeiçoamento das interações tecnológicas na vida “medieval”

“Garantir que cada indivíduo seja livre para fazer o que desejar inevitavelmente compromete a igualdade.”

– Yuval Noah Harari

Estamos vivenciando uma revolução tecnológica de enormes proporções, capaz de gerar impactos tão transformadores quanto a criação da escrita, há mais de um milênio, e a invenção da prensa de Gutenberg, há mais de 500 anos. Ela modificará para sempre nossa forma de ver e estar no mundo, pensar, aprender, interagir, trabalhar e fazer negócios, como veremos a seguir.

Aprendizagem midiática

“A principal habilidade não é mais aprender qualquer fato ou equação física, mas como se manter aprendendo e mudando ao longo da vida.”

– Yuval Noah Harari

A educação representa um ponto de partida para a geração de valores, concepções e visões de mundo.  Apesar disso, a escola parece estar à margem da revolução digital; utilizamos os mesmos métodos e seguimos ensinando,

A integração de novas tecnologias ao ambiente pedagógico pode trazer contribuições bastante positivas em termos cognitivos, emocionais e afetivos, tendo em vista as diversas formas de linguagem. Em seu livro “A Terceira Onda da Internet – Como reinventar os negócios na era digital”, o empresário e investidor norte-americano Steve Case traça perspectivas para o setor (CASE, 2017, pp. 49-50):

“As empresas também estão criando tecnologias para personalizar o processo de aprendizado, como softwares que se adaptam ao jeito e ao ritmo de aprendizado mais eficientes para cada aluno. Em um futuro não muito distante, os estudantes talvez tenham o equivalente a um tutor virtual, um livro didático na forma de tablet que, além de conteúdo, vai monitorar não só se a criança de fato aprende mas também de que modo ela aprende melhor. Conforme o ‘livro didático’ ficar melhor, ampliará também a capacidade do educador, que passará a dispor de ferramentas para obter dados individualizados e de mais tempo para trabalhar com cada estudante, naquilo que ele mais precisar. O professor fará intervenções curtas e focadas para manter os alunos alinhados coletivamente ou criará oportunidades para que eles se aprofundem em seus pontos fortes e áreas de interesse particular. Portanto, a cultura da padronização dará lugar a uma cultura de personalização. Se não aprendemos todos da mesma forma e no mesmo ritmo, então por que deveríamos ser ensinados do mesmo jeito?”

Para Sir Ken Robinson, palestrante e autor do best-seller “O Elemento-chave” (ROBINSON, 2010), é importante também debater como a ética pode e deve transformar a educação na era digital, assim como a curiosidade que nos motiva enquanto seres humanos. “Se quisermos que nossa comunidade e nossos filhos floresçam, temos que pensar na educação como forma de encorajar a diversidade e não a conformidade”, diz ele.

Qual é o papel da inovação educativa? Como ela favorece a democratização do processo de ensino-aprendizagem? Como devem ser o aluno e o professor do futuro? Essas questões fundamentais sobre educação na era digital foram discutidas pelos maiores especialistas do mundo durante a conferência enlightED 2018, ocorrida em Madri (ENLIGHTED, 2018). Nela, foram destacadas as seguintes tendências:

  • A capacidade de aprender, desaprender e reaprender é mais importante do que o conteúdo:

Aprender a aprender será cada vez mais importante, principalmente no mercado de trabalho do futuro. Para ser um bom profissional, será preciso se reinventar várias e várias vezes ao longo da carreira – demanda de um mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo (VUCA, no acrônimo em inglês).

  • Valorização da criatividade e da imaginação:

De acordo com Duncan Wardle, ex vice-presidente de inovação e criatividade da Walt Disney Company, a educação do futuro deve estar focada em criar, imaginar e intuir: “Nos próximos dez anos, as máquinas serão cinco mil vezes mais inteligentes do que nós, mas elas jamais terão a nossa imaginação. Criatividade, imaginação e intuição são algumas das mais incríveis ferramentas dos seres humanos, e elas são irreplicáveis virtualmente”.

  • Democratização e personalização contínuas:

A tecnologia é uma grande aliada na expansão e democratização do conhecimento, melhorando a aprendizagem de crianças que vivem em ambientes vulneráveis.

Americo Mattar, diretor-presidente da Fundação Telefônica Vivo, faz uma ressalva: todos os recursos tecnológicos serão inúteis se os usuários não estiverem aptos a lidar com eles: “Quando preparamos o professor, ele traz o aluno para o centro da sala de aula. No fim, o que queremos é romper com esse modelo massificador, normatizador que acontece hoje. Nenhuma criança é igual a outra e o equipamento tecnológico e o treinamento possibilitam a reformulação dessa lógica”.

Saúde midiática

“Pela primeira vez na história, pacientes estão andando por aí com o poder da computação que eles precisam para contribuir com seus próprios dados para pesquisas para as próprias curas deles. Isto é extremamente empoderador.”

– Sean Ahrens

Mais pessoal, individualizada e orientada para dados. Esse mantra também se aplica à área de saúde do futuro. Até poucos anos atrás, os protocolos do setor se resumiam à consulta média, avaliações clínicas e laboratoriais padronizadas e intervenções/tratamentos pouco precisos. Hoje, porém, a medicina já permite diagnósticos cada vez mais acurados e terapias personalizadas.

Aplicativos monitoram sinais vitais e fazem diagnósticos simples, enquanto os pacientes podem saber com antecedência quais doenças provavelmente terão ao longo da vida, além de tratá-las conforme as especificidades dos seus genes – tudo isso de modo ágil e efetivo.

Em seu livro “The Guide to the Future of Medicine: Technology and the Human Touch”, o médico e futurista Bertalan Meskó apresenta as principais mudanças já em curso e outras que serão disponibilizadas no curto e médio prazo (MESKÓ, 2014):

  • Inteligência artificial da saúde:

Através do Big Data, dispositivos podem aprender e ajudar no cuidado ao paciente. Aplicativos de saúde já são amplamente utilizados para alertar sobre horários de tomar medicamentos, além de controlar a dieta e a atividade física.

Brevemente, essas e outras ferramentas conseguirão até mesmo diagnosticar doenças. No final de 2016, uma equipe da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, elaborou um algoritmo capaz de detectar o câncer de pele – graças ao machine learning, ele foi tão preciso quanto dermatologistas ao indicar tumores (STANFORD, 2017).

  • Dispositivos wearables:

Itens vestíveis auxiliarão leigos e profissionais, captando e compartilhando informações do paciente. Eles podem coletar e armazenar dados sobre a frequência cardíaca, pressão arterial, sono, entre outros indicadores, tendo como principal vantagem a interação com o próprio corpo do paciente para registrar informações em tempo real, de modo autônomo (BUSINESS INSIDER, 2020).

Figura 1.4 Dispositivo wearable para monitoramento individual da saúde.
Fonte: https://www.kolabtree.com/blog/wearable-technology-changing-the-face-of-healthcare/
  • Farmacogenômica:

A farmacologia do futuro se chama farmacogenômica, uma área capaz de estudar a resposta de pacientes a doenças e tratamentos de acordo com a análise de seus genes.

Criada a partir da constatação de que indivíduos reagem de forma diferente a um mesmo medicamento ou tratamento, a farmacogenômica possibilita terapias individualizadas, com indicações de drogas e procedimentos mais eficazes para cada pessoa.

Julio Licinio, professor de Farmacologia da Universidade da Califórnia, já previa no ano de 2001 que, em um futuro próximo, todo médico precisaria dominar a farmacogenômica para prescrever as drogas ideais a seus pacientes (LICINIO, 2001).

Comunicação midiática

“As tecnologias de informação e de negócios estão se tornando inevitavelmente uma coisa só. Não creio que alguém possa falar sobre um sem falar sobre o outro.”

– Bill Gates

Atualmente, as telas estão presentes em todas as esferas dos espaços público e privado, e esta onipresença em todas as relações sociais caracteriza uma revolução tecnológica irrefreável. Para entender esse processo, é preciso compreender as mudanças do próprio ser humano, como indivíduo, na sua forma de pensar, se relacionar e se comunicar, assim como a evolução dos dispositivos que possibilitaram grande parte dessas transformações.

Os maiores desafios do século 21 estão todos ligados aos recursos tecnológicos e científicos em escala global. Nas palavras de Walter Longo, “a IoT é um sistema nervoso que vai conectar tudo com tudo, todos com todos. Máquinas e pessoas viram mídia e vão gerar informações constantes, influenciando a sociedade como um todo”. Paralelamente, o ciberespaço – termo inventado pelo escritor de ficção científica William Gibson, em 1984 (GIBSON, 2016) – reforça a tendência de gradualmente abolir a matéria em função do espaço (corpo como matéria), inspirada em um velho sonho de imortalidade do ser humano. Sendo um local de informação, o ciberespaço torna tudo fluido e mutável. Desta forma, a comunicação do futuro deve ser vista com um novo espaço do espírito, um conjunto de redes de computadores através dos quais todas as informações circulam em ambientes simulados (realidade virtual).  

Na sociedade contemporânea, a informação representa a base do conhecimento, da vida social, econômica, política e dos relacionamentos interpessoais.

O intercâmbio de informações, portanto, é um elemento-chave no desenvolvimento global, sendo natural que as tecnologias sigam a tendência de aperfeiçoar as interações, tornando-as inclusive mais individualizadas.

Novíssimas tecnologias prometem gerar um modo mais significativo e íntimo de comunicação, fundamentado em três principais áreas:

  • Telepresença:

Suitable Technology ou robô de telepresença é uma modalidade tecnológica inovadora conhecida como “Skype sobre rodas”, porém significa muito mais do que isso. Robôs de telepresença, como o Beam (BEAM, 2020), representam a futura geração de comunicação face a face, possibilitando a participação e a movimentação como se a pessoa estivesse presente fisicamente.

Figura 1.5 Beam Pro.
Fonte: https://suitabletech.com/
  • Mundos virtuais:

Em alguns anos os chamados mundos virtuais permitirão que você esteja com uma ou mais pessoas em um ambiente virtual de alta resolução, dialogando e compartilhando como se fosse uma experiência real.

Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, já revelou que imagina que as tecnologias de realidade virtual (VR) e realidade aumentada (AR) serão o futuro das plataformas de computação. O Facebook, inclusive, já começou a testar esse novo formato, tendo anunciado recentemente o Facebook Horizon – espaço virtual para os usuários de óculos de VR.

Figura 1.6 Facebook Horizon: mundo virtual customizado.
Fonte: https://www.geeky-gadgets.com/vr-social-network-26-09-2019/

Além de ter espaços criados pela própria equipe da rede social, haverá também uma ferramenta especial para personalizar a experiência e construir universos com regras particulares – casas, prédios, cidades e planetas com normas próprias do usuário (OCULUS, 2020).

  • Interface cérebro-computador / cérebro-cérebro:

A forma mais avançada de comunicação se consolidará na próxima década: é a Interface Cérebro Computador ou simplesmente BCI — Brain Computer Interface.

Essa modalidade corresponde à possibilidade de conectar a mente humana ao computador e vice-versa, viabilizando uma interação mais íntima. E esse mecanismo não se limita a controlar máquinas com nossos pensamentos, mas também abre as portas para um contato direto com o cérebro de outra pessoa — a comunicação mente-mente ou BBI – Brain to Brain Interface. Através dessa interface, seria possível até mesmo compreender as emoções e pensamentos de terceiros (IBRAIN, 2019).

Figura 1.7 BBI – Brain to Brain Interface.
Fonte: https://inbrain.tech/brainnet-first-multi-person-brain-to-brain-interface/1177/

Negócios midiáticos

“Se nós queremos ter 20 milhões de clientes, então nós teremos 20 milhões de lojas, nossa missão é ser a maior empresa customer-centric”.

– Jeff Bezos

Enquanto a tecnologia, a sociedade e a economia se transformam cada vez mais rápido, boa parte do sistema que atualmente regulamenta os negócios ainda está preso a noções e princípios de vida do século 20, que simplesmente não fazem mais sentido no mundo atual.

O conceito da Revolução Industrial de que a produção em alto volume e a baixa diferenciação geram receita para as organizações se tornou obsoleto.

Os enormes avanços tecnológicos das últimas décadas somados à popularização das mídias digitais originaram um perfil de consumidor que busca e exige a customização dos produtos – ou seja, oferecer um preço competitivo já não é mais o bastante.

A maioria das empresas ainda utiliza a velha estratégia de produção massiva do mesmo produto com o objetivo de comercializá-lo em grandes quantidades, porém a tendência é que o comércio personalizado tome conta do mercado nos próximos anos. O consumidor moderno sabe que pode escolher entre uma vastíssima gama de marcas e selecionar as características do produto que quer adquirir. Com apenas alguns cliques, ele acessa a internet em seu smartphone e pode comprar o que desejar, incluindo itens personalizados para suprir cada uma de suas necessidades, expectativas e preferências.  

Por isso, o marketing atual requer muito mais esforço para se obter os mesmos resultados de antes, como explica Walter Longo: “O mundo da atenção virou o mundo da distração, o conceito de audiência serve cada vez menos para garantir atenção e engajamento, que são as matérias-primas mais escassas nessa era”. O historiador israelense Yuval Noah Harari ratifica essa ideia ao dizer que “com o excesso de ofertas, tudo o que desejamos nos é apresentado com muita facilidade e rapidez, fazendo com que o processo do ‘querer’ tenha novo início rapidamente; é um looping sem fim” (HARARI, 2018).

Na era digital, da informação e da tecnologia, especialistas sugerem que viveremos também a “Era da Precisão”, na qual os dados, que norteiam tudo, trabalharão continuamente a nosso favor: em prol da medida exata daquilo que se precisa, deseja ou quer. O cliente da era da precisão tem à sua disposição todo tipo de produto e serviço idealizado exclusivamente para sua demanda mais específica. Trata-se de um novo nível de personalização, extremamente profundo e genuíno.

O chamado “Precision Data” (ou dados precisos) é o tema de uma pesquisa recentemente realizada pela consultoria cultural sparks & honey, empresa do grupo Omnicom, em parceria com o World Economic Forum. Nesse estudo, é analisada a tensão naturalmente formada no encontro entre avanços científicos e demandas de consumo (NASDAQ, 2019).

Nos próximos anos, a precisão, frequentemente associada ao setor de saúde, estará presente de forma disruptiva em outras áreas como comércio, bem-estar e performance humana. As chamadas tecnologias de precisão poderão ler e interpretar nossas necessidades com base em nossos gostos, experiências e decisões.  

Nesse cenário, o DNA humano é o principal elemento da personalização profunda, promovendo serviços como o de encontros amorosos a partir do “match” de DNAs (DNA Romance, 2020). É um mercado em franca expansão, com infinitas possibilidades e diversas tecnologias: sensores, reconhecimento facial, assistentes de voz, inteligência artificial, reconhecimento de emoções…  Serão assistentes de voz que avaliam nossa saúde física e mental a partir do tom de voz, cosméticos produzidos com base em amostras de sangue do usuário e dietas criadas na exata medida do microbioma individual. Tudo isso será possível através da união entre ciência e dados: o recolhimento do chamado Biodata – dados biológicos coletados individualmente – em parceria com tecnologias de precisão para transformar qualquer produto em algo personalizado.

Acredita-se que o setor de reconhecimento de emoções, por exemplo, deve se expandir rapidamente e chegar a faturar cerca de US$ 25 bilhões até 2023 (SEENTHIS, 2020). Nesse contexto, o rosto humano se tornará um dos mais valiosos ativos do mundo.  

A estratégia de fazer campanhas massificadas, para um grande público, tem perdido cada vez mais eficiência nos diversos canais de comunicação. Por outro lado, com o crescimento da internet, as possibilidades de personalização aumentaram como nunca.

Personalizar implica na capacidade de colocar-se no lugar do outro, ser mais empático e curioso para conhecer cada indivíduo a fundo.

A FELLIPELLI oferece cursos e assessments exclusivos sobre tipos psicológicos, autoconhecimento, inteligência emocional e diversos outros temas que comprovam cientificamente a singularidade de cada ser humano. Consulte-nos!

Para saber mais:

  • Rebel Ideas: The Power of Diverse Thinking. Matthew Syed. Editora John Murray, 2019.
  • Dominando as tecnologias disruptivas: aprenda a compreender, avaliar e tomar melhores decisões sobre qualquer tecnologia que possa impactar o seu negócio. Paul Armstrong. Editora Autêntica Business, 2019.
  • 6 competências para surfar na transformação digital. Andrea Iorio. Editora Planeta Estratégia, 2019.
  • Disrupção e Inovação: Como sobreviver ao futuro incerto. Joichi “Joi” Ito & Jeff Howe. Alta Books, 2017.
  • BOLD: Oportunidades Exponenciais. Peter H. Diamandis & Steven Kotler. Alta Books, 2019.

Referências bibliográficas

Tema: Indústria 4.0

Subtema: descobrir como a chegada da Idade Mídia está revolucionando todos os aspectos da vida humana.

Objetivo: Autodesenvolvimento, Indústria 4.0, Desenvolvimento Organizacional, Coaching, Coaching nas Empresas.

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