Tudo que existe existe talvez porque outra coisa existe. Nada é, tudo coexiste: talvez assim seja certo…”
Fernando Pessoa
Nos últimos anos, empresas de diferentes tamanhos, tipos e nichos de mercado possuem uma preocupação em comum: o aperfeiçoamento contínuo de seus processos, buscando adequá-los às demandas e necessidades dos consumidores. Tratando-se de gestão operacional e de inovação, a chamada ambidestria organizacional atua como um ponto de equilíbrio entre esses dois tipos de objetivos, conciliando projetos e investimentos de curto e longo prazo.
Ambidestria organizacional (AO) é a capacidade da companhia em reunir simultaneamente competências para inovar e para aumentar sua eficiência. Assim, além de inovar e testar novos caminhos, a empresa segue aprimorando os produtos/serviços e processos já instituídos.
A importância da harmonia entre procedimentos de rotina e novas abordagens já é reconhecida há décadas. Ainda em 1991, James G. Março, professor de Stanford, analisou esse tema em seu estudo Exploration and Explotation in Organizational Learning (Exploração e Explotação no Ensino Organizacional), alertando para o perigo de concentrar todas as atenções da empresa em um único tipo de atividade (MARCH, 1991). Para Março, o segredo para o sucesso corporativo está exatamente no investimento simultâneo em iniciativas de exploração e explotação:
- Exploração (exploration):
Experimentação em busca de novas formas de gerar valor para a empresa. Tomada de decisões arriscadas, mudanças bruscas em produtos e oferta de serviços únicos são exemplos de atividades de exploração.
- Explotação (exploitation):
Ações dedicadas ao aperfeiçoamento dos processos internos da organização. Corresponde ao desenvolvimento de produtos e serviços já bem estabelecidos no mercado, limitado a pequenos ajustes e melhorias pontuais.
A implementação dessas lógicas distintas no dia a dia da empresa é uma tarefa complexa, já que envolve competências, recursos e pressões por resultados diferentes. Os conflitos de interesse e tensões resultantes desse processo exigem um gestor hábil o suficiente para manejá-los e uma efetiva estratégia organizacional.
Resource-based View (RBV) ou Visão Baseada em Recursos (VBR): a ferramenta VRIO
No peito de quem deseja fazer algo novo, as forças do hábito levantam-se a dar testemunho contra o projeto embrionário.”
– Joseph Schumpeter
Tratando-se de estratégia organizacional, muitos gestores ainda se questionam: por que algumas organizações são capazes de criar vantagens competitivas em relação às demais, tornando-se mais bem-sucedidas e sustentáveis ao longo do tempo?
Embora não exista uma resposta simples para essa pergunta, o controle de recursos diferenciados e as capacidades dinâmicas dessas empresas certamente são importantes, representando fatores essenciais para criar e implementar estratégias.
Os recursos organizacionais são compostos por todos os ativos, assim como capacidades, competências, processos e atributos organizacionais, informações e conhecimentos que sejam disponíveis e controláveis pela organização. Através deles é possível elaborar estratégias mais aderentes ao negócio, criando valor acima da média de mercado e por períodos de tempo maiores (BARNEY, 1991).
Possuir recursos e capacidades específicas atreladas ao negócio – e ser capaz de orquestrá-los de forma competente – é determinante para uma empresa superar outras (BARNEY & HESTERLY 1996, 2007). Assim, ao conduzir uma análise interna, a gestão deve enxergar os recursos internos da empresa como os grandes potencializadores de vantagem competitiva sustentável, utilizando para isso o mecanismo VRIO (Valor, Raridade, Imitabilidade e Organização).
A ferramenta VRIO é extremamente útil para avaliar cenários de negócios, funcionando como um elemento integrador baseado em quatro aspectos principais:
- A questão do valor: o recurso é realmente importante para que a empresa exerça as suas atividades? Ele permite que a companhia explore uma oportunidade ou neutralize uma ameaça do ambiente?
- A questão da raridade: o recurso é controlado atualmente por apenas um pequeno número de empresas concorrentes? Se um recurso é controlado por vários competidores, ele não será fonte de vantagem competitiva. Isso, no entanto, não significa que ele não seja importante, pois ele serve para que a organização possa se parear competitivamente com as demais empresas (BARNEY, 2007).
- A questão da imitabilidade: as empresas sem este recurso enfrentam dificuldades e desafios significativos para desenvolvê-lo ou obtê-lo? Para um recurso ter vantagem competitiva ele não pode ser facilmente copiado pelos concorrentes.
- A questão da organização: os processos e políticas organizacionais são adequados para oferecer suporte à exploração de seus recursos valiosos, raros e difíceis de imitar? Nesse contexto, vários fatores devem ser considerados: a estrutura da companhia, seus mecanismos de comunicação interna e gerenciamento de sistemas (BARNEY, 2007).
Embora cada questão da metodologia VRIO represente uma qualidade indispensável para a empresa, é a sinergia entre elas que determina se haverá uma vantagem competitiva e por quanto tempo. Essa combinação pode ocorrer das seguintes formas:
Aplicação prática da ferramenta VRIO
Conhecimento sem transformação não é sabedoria.”
– Paulo Coelho
Em 2011, o Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) apresentou um relatório com uma nova estatística surpreendente: 5% das empresas, aquelas com altos níveis de crescimento, criam mais receitas e empregos que os outros 95% (WEF, 2011).
Conseguir manter uma empresa rentável e em expansão não é algo fácil, principalmente diante de um mercado tão saturado e competitivo. Nessa jornada, é fundamental saber utilizar a metodologia VRIO, que pode beneficiar desde a execução de tarefas rotineiras pelos colaboradores até o processo decisório da própria gestão.
A aplicação desse instrumento deve cumprir as seguintes etapas:
- Identificação de recursos valiosos, raros e difíceis de imitar
Para evidenciar e explorar melhor os diferenciais competitivos de uma empresa, primeiro é necessário descobrir quais são eles. Alguns questionamentos simples podem ajudar nesse processo:
- Quais ações são capazes de reduzir o custo de produção sem afetar a percepção de valor do consumidor?
- Quais procedimentos aumentam a diferenciação do produto/serviço e melhoram a percepção de valor do consumidor sobre ele?
- A organização já recebeu algum prêmio ou foi reconhecida como a melhor no seu setor?
- A empresa possui uma boa relação com seus fornecedores, contando com serviços especiais como integração de pedidos e sistema de distribuição controlado por um software específico?
- Os colaboradores da empresa possuem habilidades únicas?
- A companhia possui uma boa reputação por seu atendimento, qualidade e capacidade de inovação?
- A empresa realiza alguma atividade melhor que seus concorrentes?
- A organização possui qualquer outra vantagem especial em relação à concorrência?
- É simples detectar os processos e elementos que compõem o produto/serviço da empresa?
- Esses produtos/serviços da empresa podem ser facilmente reproduzidos ou substituídos por outras companhias?
- Há patentes para proteger os produtos?
- Verificação da capacidade de explotação do recurso
Uma vez identificados os recursos mais valiosos, raros e difíceis de imitar de uma empresa, é hora de checar se eles estão sendo adequadamente aproveitados:
- Existe uma estratégia organizacional de gestão de recursos suficientemente clara e efetiva?
- Há bons sistemas de recompensas e premiações ativos na empresa?
- A cultura organizacional valoriza ideias inovadoras?
- A estrutura da empresa é apropriada para a utilização de seus principais recursos?
- Existem sistemas eficazes de controle e gestão de recursos?
- Proteção de recursos
Ao identificar um recurso que atenda aos quatro critérios da metodologia VRIO, cabe aos gestores protegê-lo de todas as formas possíveis, afinal ele representa a fonte de vantagem competitiva sustentável da empresa.
Para isso, todos os setores da organização devem ser conscientizados da importância do recurso, além de aprender a utilizá-lo para diminuir os custos de produção ou destacar os produtos/serviços.
Em seguida, é necessário descobrir como torná-lo difícil de copiar para a concorrência, o que assegurará seu atributo de exclusividade por muito mais tempo no mercado.
- Revisão regular dos recursos VRIO
Como o valor de um recurso pode variar bastante ao longo dos anos, é preciso estabelecer um cronograma de revisões do mesmo, observando nessas análises cada elemento do método VRIO – valor, raridade, imitabilidade e organização. Essas averiguações também são úteis para descobrir novos recursos e formas de blindá-los da concorrência.
O valor do intangível
O essencial é invisível aos olhos.”
– Antoine de Saint-Exupéry
Você sabe quanto vale a marca Apple? De acordo com a empresa Interbrand, no relatório Best Global Brands 2018, a empresa Apple Inc. detém a marca mais valiosa do mundo, valendo o equivalente a $214.480 milhões de dólares (INTERBRAND, 2018).
É fácil notar que um prédio, um móvel ou um computador têm valor, afinal eles são concretos, podem ser vistos e tocados. Já os chamados recursos intangíveis são as propriedades imateriais de uma organização, que não existem fisicamente, como as marcas, direitos autorais, patentes, licenças, softwares, desenvolvimento de tecnologia, fórmulas, receitas, carteira de clientes, recursos humanos e know-how.
Até alguns anos atrás, os bens físicos, como equipamentos e imóveis, representavam a maior parte do valor de mercado de uma companhia. Desde os anos 90, porém, essa lógica vem se invertendo: de acordo com um estudo da Ocean Tomo, os ativos intangíveis das 500 maiores empresas correspondiam a nada menos que 87% do seu valor total em 2015 (OCEAN TOMO, 2015).
Fonte: OCEAN TOMO, 2015. Acesso em: 30/01/2019.
A tendência de valorização do intangível é ratificada pelo comportamento dos consumidores. Atualmente, milhões de clientes ao redor do mundo utilizam e confiam em marcas como o Nubank, que oferece serviços de crédito sem qualquer sede ou estrutura física, Alibaba, Uber e Airbnb.
Ativos intangíveis são bens imateriais que asseguram a perenidade e a diferenciação competitiva das empresas, responsáveis pela geração e/ou proteção de valor corporativo aos seus acionistas e demais stakeholders.
Têm como principais características: vínculo com longo prazo, caráter estratégico, interdependência entre si, potencialização dos ativos tangíveis e necessidade contínua de gerenciamento e metrificação.
Os ativos intangíveis, além de influenciarem os resultados de curto prazo como os ativos tangíveis, são responsáveis também pela capacidade da organização de gerar valor no médio-longo prazo. Isso ocorre não apenas devido ao seu valor diferencial intrínseco, mas também através da potencialização dos tangíveis – afinal, inovações aperfeiçoam produtos, marcas alavancam vendas e conhecimento apura produção.
Tendo em vista a enorme valorização recente dos ativos intangíveis, é importantíssimo aprender a gerenciá-los de forma a gerar e perpetuar o valor econômico de uma companhia. Nesse cenário, possuir conhecimentos sólidos sobre características e atributos organizacionais intangíveis mostra-se essencial para a elaboração de estratégias que busquem maximizar o seu valor econômico.
A FELLIPELLI reconhece a importância da criação e manutenção de valores intangíveis únicos para o sucesso de uma empresa. Por isso, temos como missão oferecer os mais avançados assessments do mercado, cada um voltado a uma área específica da estrutura organizacional: Programa Lead 4 Success (desenvolvimento de lideranças), Adam Milo® (recrutamento e seleção de pessoas) e Team Management Profile® (desenvolvimento de equipes).
Para saber mais:
- Inovação e espírito empreendedor: Prática e princípios. Peter Drucker. Cengage Learning, 2016.
- Administração Estratégica e Vantagem Competitiva: Conceitos e casos. Casos Brasileiros. Jay B. Barney & William S. Hesterly. Pearson, 2011.
- Competindo pelo Futuro. Estratégias Inovadoras para Obter o Controle do seu Setor e Criar os Mercados de Amanhã. K. Prahalad e Gary Hamel. Elsevier, 2005.
Referências bibliográficas
-
MARCH, James G. Exploration and Exploitation in Organizational Learning. Fevereiro de 1991. Acesso em: 30/01/2019.
-
BARNEY, J. B.; HESTERLY, W. S. Organizational economics: understanding the relationship between organizations and economic analysis. In: CLEGG, S. R.; HARDY, C.; NORD, W. R. Handbook of organization studies. London: Sage Publications, 1996.
-
BARNEY, J. B.; HESTERLY, W. S. Administração estratégica e vantagem competitiva.São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2007.
-
BARNEY, J.B. Firm resources and sustained competitive advantage. Journal of Management, v. 17, n. 1, p. 99-120, 1991.
-
WEF, 2011. Acesso em: 30/01/2019.
-
INTERBRAND, 2018. Acesso em: 30/01/2019.
-
OCEAN TOMO, 2015. Acesso em: 30/01/2019.
Tema principal: Cultura Organizacional
Subtemas: Ambidestria organizacional e visão baseada em recursos – definição e metodologia VRIO (Valor, Raridade, Imitabilidade e Organização).
Objetivo: Desenvolvimento Organizacional, Estrutura Organizacional, Coaching, Coaching nas Empresas, Team Building, Desenvolvimento de Equipes, Desenvolvimento de Liderança.