Pense como um cientista!10 min de leitura

A aplicação prática de um teste científico de um gestor em sua equipe nos mostra que pensar como um cientista, em algumas situações, também é uma ótima forma de solucionar um problema.

O primeiro passo para estudar e entender Neurociência não é ler toneladas de livros sobre o funcionamento do sistema nervoso: antes de tudo, é necessário pensar cientificamente. A Neurociência é um campo interdisciplinar em expansão que requer um grande entendimento de metodologia científica experimental e conhecimento da dinâmica inerente à Ciência.

Digamos que você tenha interesse em avaliar como o estresse afeta o desempenho de alunos em problemas lógico-matemáticos. Primeiro é preciso ter uma hipótese: um bom ponto de partida é começar com uma preposição simples e direta. Um exemplo.

Figura 1 Investigando a existência (ou não) das hipóteses.
Figura 1 Investigando a existência (ou não) das hipóteses.

Altos níveis de estresse provocam queda no desempenho de alunos em problemas lógico-matemáticos”.

Pronto. Temos uma hipótese! Vale lembrar que, em geral, é necessário fazer uma boa leitura de artigos científicos e livros para verificar se sua hipótese já não foi confirmada ou descartada. Essa leitura é necessária em todos os passos do desenvolvimento de um projeto.

Agora deve entrar uma pitada de criatividade: como testar essa hipótese? É necessário então verificar se a hipótese é de fato falseável, isto é, que seja possível prová-la falsa. Um exemplo de hipótese não falseável seria:

Figura 1.1 Tropeçando no invisível.
Figura 1.1 Tropeçando no invisível.

Existem seres invisíveis, inaudíveis e intocáveis que são responsáveis por fazerem pessoas tropeçarem na rua”

Essa hipótese é impossível de ser falseada porque não existem meios de detectar a presença de tais seres. Logo, é uma hipótese que não carrega valor informativo e, portanto, deve ser reformulada ou descartada.

O mesmo não ocorre com a hipótese 1: para falseá-la, basta encontrar um exemplo em que altos níveis de estresse provocam aumento no desempenho de alunos com problemas lógico-matemáticos OU mostre que o nível de estresse não altera o desempenho.

É muito comum que utilizemos correlações para fazer afirmações de causa e efeito. Porém, essa abordagem é equivocada, pois as correlações mostram que duas variáveis demonstram interdependência, mas não mostram o que causa o quê. O website Spurious Correlations reúne exemplos de correlações de eventos que não possuem relação de causalidade: o gráfico a seguir mostra que o consumo de queijo per capita correlaciona-se com o número de pessoas mortas por se enrolarem em seus lençóis:

Correlação do consumo de queijo per capita com o número de pessoas mortas enroladas em seus lençóis:

Figura 1.2: gráfico que mostra a correlação entre o consumo de queijo per capita com o número de pessoas mortas por se enrolarem em seus lençóis. Reproduzido de http://www.tylervigen.com/spurious-correlations
Figura 1.2: gráfico que mostra a correlação entre o consumo de queijo per capita com o número de pessoas mortas por se enrolarem em seus lençóis. Reproduzido de http://www.tylervigen.com/spurious-correlations

Logo, um estudo correlacional não é o suficiente para fornecer uma resposta científica. A forma encontrada por cientistas para encontrar relações de causalidade é o experimento, que consiste em um procedimento empírico em que o experimentador pode realizar observações controlando as condições.

Os experimentos precisam de, pelo menos, uma variável independente (VI) e uma variável dependente (VD), sendo a primeira uma que o experimentador manipula e a segunda uma que se modifica com a alteração da primeira. Para a hipótese 1, exemplos de VI e VD seriam:

  • Variável Independente: Nível de estresse do indivíduo
  • Variável Dependente: Desempenho com problemas lógico-matemáticos

Agora é necessário especificar um pouco mais VI e VD. Como mensurar o nível de estresse e o desempenho?

Como já dito anteriormente, a revisão da literatura científica em todo o processo é crucial, e um dos motivos é porque, em trabalhos anteriores, pode-se verificar métodos de mensuração destes parâmetros, porém também é possível desenvolver novas medidas. É comum utilizar testes bem consolidados e padronizados, garantindo que o experimento possa ser replicado por outros pesquisadores — passo que veremos mais adiante. Também costuma-se utilizar mais de um método de mensuração para cada variável, garantindo maior robustez e confiabilidade dos resultados.

Para a hipótese 1, sugestões de métodos seriam:

  • Variável Independente: nível de cortisol na saliva, questionário sobre nível de estresse percebido.
  • Variável Dependente: pontuação em questionário com problemas lógico-matemáticos.

Que tipo de pessoas deve então ser recrutado para participar do experimento?

Como a hipótese é abrangente, sem especificar a faixa etária dos alunos, cabe a reflexão sobre manter desta forma ou a reformular. A escolha mais prudente seria estabelecer uma faixa etária, pois assim é possível isolar outras variáveis que possam interferir: se o experimento for realizado com idosos e jovens, e estes primeiros tiverem um desempenho pior, como garantir que esse efeito ocorra pela presença do estresse em vez de ser decorrente da degeneração cognitiva natural da idade avançada?

Outra questão importante: deve haver um grupo que sofrerá indução de estresse — o grupo experimental — e outro grupo que não sofrerá — o grupo controle. Além disso, ambos os grupos devem ser homogêneos quanto aos seus atributos, como gênero, média etária, escolaridade, raça, nível socioeconômico, etc.

Para distribuir os indivíduos entre os grupos existem diversas formas de reduzir o risco de viés, sendo uma das mais utilizadas a distribuição por sorteio. Dessa maneira é possível garantir que quaisquer alterações na variável independente sejam decorrentes de manipulações na variável dependente. Outra forma de conduzir o experimento seria utilizar apenas um grupo, no qual os indivíduos realizem a tarefa com e sem estresse. Neste caso, esse tipo de desenho experimental não seria muito adequado, pois os indivíduos podem melhorar seu desempenho na segunda vez por aprendizado.

Os aspectos relatados no parágrafo anterior descrevem os chamados critérios de inclusão, que norteiam qual o perfil dos participantes serão recrutados. É necessário também delimitar critérios de exclusão, como o já citado caso de faixas etárias diferentes do alvo. Outros exemplos podem ser consumo de substâncias psicoativas ou medicamentos, participantes com sono ou cansaço, com histórico de transtornos psicológicos ou distúrbios neurológicos, dentre outros.

Durante a realização do experimento, é necessário ter alguns cuidados. As instruções devem ser claras e idênticas para todos os participantes, que devem assinar antes da tarefa Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, previamente aprovado em comitê de ética. Como o experimentador pode interpretar de maneira enviesada os resultados, também é prudente adotar o desenho duplo-cego, em que o experimentador e o participante não sabem a qual grupo o participante pertence. No caso da hipótese 1, isso é possível caso o participante não saiba que existem dois grupos distintos. Logo, a indução de estresse deve ser feita por um experimentador e a aplicação dos problemas, por outro. Também é comum o desenho triplo-cego, quando nem o participante, nem o experimentador e nem a pessoa que analisa os dados sabe a qual grupo cada participante pertence.

Figura 1.3 O uso de métodos e ferramentas estatísticas são essenciais na corroboração das hipóteses.
Figura 1.3 O uso de métodos e ferramentas estatísticas são essenciais na corroboração das hipóteses.

A tarefa já fora realizada e os dados foram coletados, é chegada uma das etapas mais importantes e esperadas pelo cientista: verificar se os resultados corroboram ou não com a sua hipótese. Para isso, métodos e ferramentas da estatística devem ser utilizados para garantir que as diferenças, se existentes, foram significativas — bem como o tamanho dessas diferenças. É neste momento que se avalia o tamanho do efeito da intervenção experimental na variável de interesse.

Como nem tudo são flores, também é possível que os resultados mostrem que a hipótese esteja equivocada ou que existam problemas no modelo experimental. Neste caso, a hipótese e/ou o método devem ser reformulados. Muitos pesquisadores elaboram estudos piloto, em menor escala, para evitar desperdício de tempo e recursos com hipóteses e métodos ineficazes, para, após um resultado positivo, partir para um estudo em escala maior com as devidas correções realizadas.

Essa forma de pensar não se restringe apenas aos laboratórios, sendo extremamente útil para gestores abordarem problemas no local de trabalho.

A partir da detecção de um problema, é possível adotar uma abordagem inspirada no método científico, realizando experimentos, coletando e analisando dados para se chegar a uma conclusão.

Figura 1.4 A presença dos smartphones pode comprometer o rendimento de um grupo de funcionários.
Figura 1.4 A presença dos smartphones pode comprometer o rendimento de um grupo de funcionários.

Por exemplo, o setor financeiro de uma empresa está tendo problemas para realizar as tarefas previstas e alcançar as metas necessárias. O gestor percebeu que, dentre os funcionários, é comum que eles olhem periodicamente os seus smartphones e trabalham sempre com o aparelho sobre a mesa de trabalho, mesmo que não o utilizem. Ele então elabora a seguinte hipótese: “A mera presença do smartphone faz com que os funcionários tenham prejuízo no rendimento”.

Para testar essa hipótese, o gestor distribui aleatoriamente os seus funcionários entre dois grupos: um experimental, onde os funcionários deverão deixar os smartphones em um armário, e um controle, sem qualquer intervenção. As variáveis são, portanto:

  • Variável independente: presença ou ausência do smartphone
  • Variável dependente: rendimento no trabalho

Para mensurar o rendimento, o gestor decide avaliar a porcentagem de metas cumpridas a cada semana durante um mês. Os resultados então mostram que, no grupo experimental, o rendimento foi ainda pior. É necessário então reformular a hipótese e o método; uma forma possível seria: “Permitir que os funcionários possam usar smartphone após certos períodos de trabalho melhora o desempenho”.

O grupo experimental, agora composto por funcionários que têm a permissão de utilizar o smartphone por 5 minutos a cada 1 hora, enquanto no grupo controle mantém-se sem intervenção. A variável independente agora é o estabelecimento de uso de smartphone apenas em intervalos fixos ou uso irrestrito.

O rendimento é avaliado da mesma forma que anteriormente. Desta vez, os resultados mostraram uma melhora no rendimento do grupo experimental, fazendo com que o gestor aplique a medida em todo o setor.

Este é apenas um exemplo dentre muitos possíveis de como o pensamento científico é uma ótima ferramenta também para problemas do dia a dia.

Pensar como um cientista permite uma visão crítica e sistemática do mundo, mas não se trata de uma abordagem única.

Não é necessário descartar todas as outras formas de abordar problemas, o método científico entra como um complemento para certas questões.

 

Tema: Neurociência.

Subtema: A aplicação prática de um teste científico de um gestor em sua equipe de trabalho.

Objetivo: Desenvolvimento Organizacional, Team Building, Neurocoaching, Coaching, Coaching nas Empresas.

 

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