O resgate do óbvio: como devolver o ser humano à sua essência12 min de leitura

O autoconhecimento nos traz à memória tudo o que resgata a nossa essência

O tempo é Memória e Esquecimento” – Jorge Luis Borges

O desenfreado crescimento das tecnologias tem-nos apavorado como raça, há muito tempo. Máquinas inteligentes e destruidoras povoam o imaginário humano. Refletimos, dia após dia, se nossos empregos estarão a salvo, em um breve futuro. O que sobrará, de nós, para os nossos filhos?

Uma das melhores ferramentas que possuímos, em tempos de transição, é o autoconhecimento. E há diversas formas de alcançá-lo. Mas há, também, os atalhos.

Os atalhos da jornada para o autoconhecimento atrelam a memória ao tempo presente.

Figura 1 A mitologia grega e seus deuses como fonte de travessia para a consciência.
Figura 1 A mitologia grega e seus deuses como fonte de travessia para a consciência.

A mitologia grega é, pois, uma fonte inesgotável de sabedoria para atravessar a consciência. Em primeiro lugar, há uma multiplicidade de deuses. Nas palavras de Jean-Pierre Vernant, o maior especialista da contemporaneidade:

Os deuses nasceram do mundo. A geração daqueles aos quais os gregos prestam um culto, os olimpianos, veio à luz ao mesmo tempo em que o universo, diferenciando-se e ordenando-se, assumia sua forma definitiva de cosmos organizado. Esse processo de gênese operou-se a partir de Potências primordiais, como Vazio (Cháos) e Terra (Gaia), das quais saíram, ao mesmo tempo e pelo mesmo movimento, o mundo, tal como os humanos que habitam uma parte dele podem contemplá-lo, e os deuses, que a ele presidem invisíveis em sua morada celeste”.

Os deuses têm, assim, algo de mundano e algo de divino. Da mesma forma, os homens navegam pelo natural e pelo sobrenatural. Portanto, ao conhecermos os deuses, conhecemos a nós mesmos.

Uma das correntes de misticismo grego é denominada Orfismo. Ela parte do pressuposto que existia, antes de tudo, uma unidade cósmica. No entanto, a unidade começa a se dividir e se dispersar, perdendo sua conexão com o todo. Podemos interpretar, então, que há, em cada pessoa, a potencialidade de alcançar a plenitude, através do autoconhecimento. Vernant corrobora essa visão:

Para o oráculo de Delfos, ‘Conhece-te a ti mesmo’ significava: fica ciente de que não és deus e não cometas o erro de pretender tornar-te um. Para o Sócrates de Platão, que retoma a frase a seu modo, ela quer dizer: conhece o deus que, em ti, és tu mesmo. Esforça-te por te tornares, tanto quanto possível, semelhante ao deus”.

A Deusa da memória

Os gregos tinham deuses para muitos fenômenos psicológicos, como emoções (Eros, Aidós, Phobos); atitudes mentais (Pístis), qualidades intelectuais (Mêtis), erros ou desvios do espírito (Áte, Lyssa).

Uma dessas divindades tem o nome de uma função psicológica: Mnemosyne, a memória. Vernant a descreve:

No entanto, o caso de Mnemosyne parece ser especial. A memória é uma função muito elaborada que atinge grandes categorias psicológicas, como o tempo e o eu. Ela põe em jogo um conjunto de operações mentais complexas, e o seu domínio sobre elas pressupõe esforço, treinamento e exercício. O poder de rememoração é, nós o lembramos, uma conquista; a sacralização de Mnemosyne marca o preço que lhe é dado em uma civilização de tradição puramente oral como o foi a civilização grega, entre os séculos XII e VIII, antes da difusão da escrita. É ainda preciso definir essa memória que os gregos divinizaram. Em que domínio, por que caminho, sob que forma se exerce o poder de rememoração ao qual Mnemosyne preside? A que acontecimentos, a que realidade ele visa? Em que medida ele se orienta pelo conhecimento do passado e pela construção de uma perspectiva temporal? Não dispomos de outros documentos a não ser de narrativas míticas”.

Irmã de Crono e de Okeanós, a Deusa titã é mãe das Musas. Ela também preside a função poética. Para os gregos a poesia é uma manifestação sobrenatural. A palavra “entusiasmo”, por exemplo, nos conduz a ter deus dentro de si, pode ser alcançada pela poesia, uma possessão e delírio divinos.

Atrelada à ideia da memória, podemos também relembrar a palavra grega aletheia. É a definição de verdade, mas a verdade como não esquecimento. A palavra vem do rio do esquecimento, Lethe, para os gregos.

Os dois conceitos, então, memória e esquecimento, fazem parte de um jogo antagônico e complementar, como toda a teoria junguiana que permeia o MBTI®.

Para Platão o esquecimento nada mais é do que a nossa ignorância.

Na teoria de Platão, o pensamento mítico perpetua-se do mesmo modo que se transforma. A antímnesis não tem aí a função de reconstruir e de ordenar o passado; não implica uma cronologia dos acontecimentos, revela o Ser imutável e eterno. A memória não é “pensamento do tempo”, é evasão para fora dele. Não visa elaborar uma história individual em que se afirmaria a unicidade do eu; ela quer realizar a união da alma com o divino.

Figura 1.1 A observação das diferenças, culturais e comportamentais, excelente exercício para a construção de conceitos como o MBTI®
Figura 1.1 A observação das diferenças, culturais e comportamentais, excelente exercício para a construção de conceitos como o MBTI®

O MBTI® Step II e o retorno à memória

Como foi dito anteriormente, há diversas formas de se acessar o autoconhecimento e, em última instância, o resgate da memória, em seu sentido filosófico grego.

A construção do MBTI® (Myers Briggs Type Indicator), feita por Katharine Briggs e Isabel Myers, já relata, por ser uma cocriação familiar, em um mergulhar em memórias. Uma das grandes motivações de Briggs, a mãe, foi observar as diferenças brutais de comportamento entre Myers, a filha, e seu marido, Peter.

Composto por quatro escalas (Extroversão e Introversão; Sensação e Intuição; Pensamento e Sentimento; Julgamento e Percepção), é possível “brincar” com a analogia dual da memória e do esquecimento.

De acordo com a teoria de Carl Gustav Jung, as preferências psicológicas são inatas. Ao decorrer de nossas histórias, somos convidados a lapidar essas funções, ou colocá-las no esquecimento.

Portanto, conhecer o próprio perfil psicológico pode ser considerado o primeiro passo para reavivar a memória de quem somos.

Embora estejam ligadas a dicotomias, Jung também crê que possuímos todas as oito funções. Mas, porque temos processos preferidos, muitas vezes deixamos os processos opostos de lado. Nós esquecemos que temos o potencial de exercer a totalidade.

Aplicação das facetas do Step II para reavivar a memória

Uma das grandes vantagens em criar as facetas que compõem as cinco partes mais importantes de cada eixo dicotômico, é saber que somos dinâmicos e, por causa dos aprendizados da vida, capazes de desenvolver comportamentos fora de nossa preferência.

Muitos clientes, ao compreender a teoria e, até mesmo, ao concordar com os seus resultados, ainda expressam dúvidas em relação a algumas características, que fogem às generalizações.

Com a análise do Step II, é possível rever onde tais manifestações aparecem, quando foram aprendidas. Assim, com o olhar daquilo que pode ser modificado, fica mais fácil elaborar um plano de ação compatível com o desenvolvimento das funções esquecidas.

Função Inferior

A primeira função que tendemos a negligenciar, via de regra, é a função inferior. Ela geralmente aparece em momentos de estresse, em que o cérebro se encontra envolto pela ameaça de não sobreviver. Sendo assim, a pessoa observa de maneira negativa as características dessa função.

Ao trabalhar com o Step II, portanto, é necessário ter clareza da dinâmica das funções e ficar muito atento à forma de comunicar os comportamentos associados à função que o indivíduo menos utiliza.

Sabemos que os processos mentais são:

  • Sensação x Intuição
  • Pensamento x Sentimento

Uma pessoa que tenha como DOMINANTE o processo de Sensação, terá como INFERIOR o processo de Intuição. Assim como a pessoa que prefere o Pensamento gastará apenas 10% do seu tempo a trabalhar o processo oposto, de Sentimento.

Sensação X Intuição

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As facetas podem clarificar, se estiverem todas dentro da preferência, porque o comportamento do indivíduo é tão “clássico” na forma de manifestar. A análise do qualificado, neste sentido, consiste em lembrá-lo da importância de se trabalhar o outro lado. Na sessão de devolutiva, então, é possível buscar situações e recursos que o façam navegar para a direção oposta, para engrandecer a experiência do respondente com aquilo que ele tende a esquecer. Assim, práticas palpáveis e estratégias são construídas, sempre customizadas aos resultados únicos de cada um.

Um exemplo que podemos utilizar, neste caso, é: um cliente ISTJ, com todas as facetas dentro da preferência, está se queixando de que precisa ser mais criativo no ambiente de trabalho. Como consultor, você pode investigar as memórias do seu cliente, de acordo com cada uma das facetas, e eleger aquela com a qual ele se sente mais confortável em adaptar. Assim, já existe o início de um plano de ação, para estimular a criatividade, com metas claras de como alcançar esse objetivo.

Pensamento x Sentimento

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O processo de tomada de decisão, por meio da objetividade e lógica, ou por meio da empatia, carrega, também a dualidade. Os Ts tendem a distanciar-se para chegar a uma decisão; os Fs tendem a priorizar as necessidades humanas, ao decidir.

Da linha oposta ao que foi dito no processo anterior, há casos em que os clientes veem o desenvolvimento de uma faceta que está fora da preferência. Por este motivo, inúmeras vezes, na devolutiva, a pessoa não se reconhecerá completamente na descrição. Um caso real que aconteceu foi: um cliente, consultor, ESTJ, que possuía duas facetas fora de sua preferência, é tolerante e compreensivo.

Ao analisar seu relatório, investimos em enaltecer essas características e vislumbrar suas contribuições à liderança, neste sentido. O cliente, na casa dos 40 anos, identificou o convívio familiar (de uma família de mulheres) como fator decisivo para estes resultados. Então, ele pode verificar a riqueza de sua tipologia, combinada com o resgate das suas memórias afetivas.

As atitudes: Extroversão x Introversão

Embora as atitudes de motivação estejam sempre vinculadas aos processos mentais, é muito comum, em um primeiro momento com os resultados do MBTI®, que o respondente dê muita ênfase na sua forma de buscar energia (do mundo externo ou do mundo interno).

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Outro caso real, há algum tempo, consistia em uma mulher, de 50 anos, que possui todas as facetas dentro de sua preferência, a Introversão. Ela trabalha com tradução e, ao reconhecer seus resultados, vibrou e enalteceu o papel dos introvertidos.

Ora, sabemos que os extrovertidos tendem a ser mais valorizados, porque eles demonstram sua função dominante. É genuíno que alguém, diferente do que é mais aceito do ponto de vista social, sinta-se validado ao perceber que sua preferência tem o mesmo poder que o polo oposto.

Todavia, é preciso desconstruir essa ideia de que há melhores ou piores.

Assim, nosso trabalho foi discernir qual das facetas de Extroversão ela sentia falta e o porquê. Decidimos, então, trabalhar recursos para que a amplitude de suas conexões, principalmente vinculadas ao networking, fossem aumentadas. O exercício de perceber o lado positivo do polo oposto é fundamental para expandir a memória da pessoa.

Julgamento X Percepção

A última atitude, que caracteriza o estilo de vida, também nos traz muitas formas de potencializar a memória e trazer à luz estratégias para navegar ao polo oposto.

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Uma cliente P, com muita clareza por suas preferências, tinha a queixa de não conseguir organizar a vida, de forma que não se estressasse no fim do dia, quando deixava todas as pendências sobrepostas. Depois de investigar as facetas opostas, ela lembrou-se de que, na tenra infância, tinha uma programação bem estabelecida de rotinas. A memória foi fundamental para selecionarmos a faceta a ser trabalhada. Pudemos, então, desenhar uma rotina, acrescentar algumas atividades fora do escritório, como aulas de natação duas vezes por semana, para que ela experienciasse o Julgamento, de forma leve e lúdica.

Vivemos tempos em que é imprescindível reativar nossa memória, não apenas acerca de quem nós somos e temos convicções sólidas.

As máquinas podem substituir muitas funções e automatizar inúmeros trabalhos. E, por este motivo, é urgente saber quem somos nós.

A descoberta de si mesmo é a maior ferramenta para buscar recursos adicionais e ampliar as possibilidades, dentro de uma carreira.

O MBTI® Step II nos auxilia a recordar todas as potencialidades presentes em cada uma das tipologias, mas também nos ensina a restabelecer um convívio pacífico, proveitoso e lúcido com os nossos opostos.

Por isso, a Fellipelli, além de oferecer assessments e cursos exclusivos nas áreas de desenvolvimento pessoal e de equipes, relacionamentos interpessoais, inteligência emocional e muitas outras, é a única representante do Brasil da The Myers-Briggs Company, e oferece o MBTI Step I e II oficial. Consulte-nos!

Tema: MBTI®.

Subtema: O exercício de resgate da memória para o autoconhecimento para buscar novas possibilidades para a vida pessoal e profissional.

Objetivo: Autoconhecimento, Autodesenvolvimento, Desenvolvimento Humano, Desenvolvimento de Equipe, Desenvolvimento de Liderança, Coaching, Coaching nas Empresas.

 

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