Análise das aplicações da neurociência no meio organizacional para criar um ambiente de trabalho mais adaptado ao modus operandi do cérebro humano e, por conseguinte, mais eficiente.
Estamos usando nosso cérebro de maneira excessivamente disciplinada, pensando só o que é preciso pensar, o que se nos permite pensar.” – José Saramago
A compreensão da base biológica dos processos mentais e da consciência representa um dos grandes desafios da ciência nas últimas décadas. O cérebro funciona como uma rede tão precisa quanto complexa, na qual aproximadamente 100 bilhões de células neurais interconectadas em sistemas constroem nossa percepção do mundo exterior.
Diversos estudos sobre inteligência artificial (IA) demonstraram que, apesar dos grandes avanços, robôs e outros dispositivos tecnológicos ainda estão longe de reproduzir as funções do cérebro humano.
Todas as percepções cerebrais são triunfos analíticos, façanhas possíveis graças a uma extensa e diversificada gama de células nervosas abordada pela neurociência.
De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), a neurociência é uma disciplina que envolve tanto aspectos biológicos do sistema nervoso como as ciências humanas, sociais e exatas, que juntos contribuem para o bem-estar humano através de melhorias na qualidade de vida ao longo de todo o ciclo vital (BENARÓS et al., 2010).
Recentemente, empresas de vários segmentos parecem ter percebido que entender como o cérebro humano funciona pode ser útil não apenas do ponto de vista cognitivo, mas também nos relacionamentos interpessoais e até nos processos práticos de uma companhia.
Aplicações da neurociência na rotina empresarial
Tudo o que a mente humana pode conceber, ela pode conquistar.” – Napoleon Hill
Nos últimos anos, tecnologias inovadoras possibilitaram análises mais avançadas do cérebro e das emoções – sim, a neurociência não trata somente de questões cognitivas e raciocínio lógico. O ambiente corporativo corresponde à soma de comportamentos e normas de convivência combinadas entre as pessoas que compõem esse coletivo. Nesse contexto também estão inclusas a chamada cultura organizacional, assim como a memória coletiva do grupo. Desse modo, é possível uma intensa aplicação dos princípios da neurociência na avaliação antropológica do universo empresarial.
A neurociência busca aperfeiçoar o ambiente de trabalho ao colocar o indivíduo no centro desse modelo. De acordo com ela, os gestores devem, em vez de ensinar algo para alguém que não está preparado, procurar entender antes como funciona o cérebro — e isso se aplica a toda a equipe, na qual aspectos culturais e interrelacionais também precisam ser considerados.
Atualmente, pesquisas em áreas como a neurociência e a economia comportamental permitem que os cientistas “hackeiem” o cérebro humano e compreendam muito melhor seus mecanismos de operação. Hoje sabe-se que todas as escolhas que uma pessoa faz na vida, desde o que comer no almoço até parceiros, são na realidade resultado de cálculos probabilísticos de bilhões de neurônios. Até mesmo a famosa intuição não passa de uma capacidade cerebral de reconhecer padrões recorrentes – seja para advogados, atletas, motoristas de ônibus ou empresários de sucesso (RIPLEY, 2007). Estes “pressentimentos” baseiam-se majoritariamente em experiências adquiridas, atalhos aprendidos e circuitos cerebrais acumulados.
Isso ocorre porque o cérebro se modifica fisicamente a partir do que é vivido. Depois de uma série de estudos explorando a influência do cérebro no nosso comportamento, os neurologistas descobriram o contrário: nossas ações são capazes de modificar o cérebro.
De acordo com Benito Damasceno, professor de neurologia da Unicamp, há uma tendência cada vez mais forte na neurologia em estudar o corpo, a mente e o mundo externo de forma totalmente integrada (JORNAL DA UNICAMP, 2005). As sinapses ou conexões neurais são menos determinadas pelos genes do que se supunha, e mais afetadas pelo que fazemos rotineiramente. Hábitos, traumas psicológicos e exercícios podem afetar até mesmo o tamanho de algumas partes do cérebro – é a chamada neuroplasticidade ou plasticidade cerebral.
A criação de novas sinapses agora é um fenômeno mais esclarecido, embora muitos pontos permaneçam obscuros. Este processo dá origem a quatro grandes grupos de habilidades – neuroliderança, neuroestratégia, neurobusiness e neuromarketing-, os quais analisaremos separadamente nesta série especial de artigos e que serão tratados de forma pontual na 1ª Semana Fellipelli de Neurociência e Inteligência Emocional que acontecerá em breve.
Neuroliderança
Raros são aqueles que decidem após madura reflexão; os outros andam ao sabor das ondas e longe de se conduzirem, deixam-se levar pelos primeiros.” – Sêneca
A neuroliderança dedica-se a aprender como funcionam os cérebros dos gestores, auxiliando-os a desenvolver o autoconhecimento e a lidar melhor com os funcionários e clientes.
O termo neuroleadership ou neuroliderança foi cunhado por David Rock, diretor do Neuroleadership Institute, representado no Brasil com exclusividade pela Fellipelli Consultoria Organizacional, que aplicou os conceitos de neurociência à temática da liderança, abrangendo aspectos como desenvolvimento e treinamento de líderes, além de gestão de mudanças (NEUROLEADERSHIP INSTITUTE, 2019).
Rock ressalta que a neuroliderança se fundamenta na compreensão de cérebros, e não na manipulação deles. Christian E. Elger, pesquisador alemão da Universidade de Bonn, corrobora essa ideia e define sete elementos essenciais para a neuroliderança (ELGER, 2008):
- Sistema de recompensas: o circuito cerebral do prazer, também chamado de circuito mesocorticolímbico, é constituído por um pequeno grupo de regiões cerebrais nas quais são produzidos grandes níveis de dopamina, hormônio responsável pelas sensações de bem-estar e felicidade. Este circuito é ativado quando recebemos estímulos considerados positivos, desde comer chocolate até uma simples ideia agradável.
Diversos estudos já indicaram que, para ter colaboradores mais focados, comprometidos com resultados e produtivos, um bônus, uma gratificação e até um mero elogio são muito mais eficazes do que uma bronca ou retaliação. Trata-se do reforço positivo, famosa técnica derivada do behaviorismo, escola de pensamento da psicologia que explica as atitudes humanas em termos de comportamento aprendido. O reforço positivo envolve recompensas, que podem ser materiais ou emocionais, para incentivar o indivíduo a repetir uma postura desejável (BRAIN FACTS, 2018).
No ambiente de trabalho, o reforço positivo deve ser utilizado pelo gestor para liderar sua equipe de modo sutil, porém eficaz, até o resultado almejado, além de proporcionar soluções mais rápidas para os problemas inerentes à rotina organizacional.
- Cooperação: de acordo com um estudo da revista britânica The Royal Society, a cooperação pode ter sido um fator decisivo para a evolução do cérebro humano, aumentando seu tamanho ao longo do tempo (THE ROYAL SOCIETY, 2012).
Segundo pesquisadores irlandeses e escoceses, o homem precisou cooperar com seus semelhantes para sobreviver e, portanto, tornou-se necessário um cérebro suficientemente grande para lidar com as complexas relações sociais. Para realizar o estudo, os cientistas elaboraram um modelo informático que representava o cérebro humano, no qual a rede de neurônios podia evoluir para se adequar a vários desafios sociais. Este cérebro virtual foi então submetido a duas situações. Na primeira, dois criminosos foram detidos pela polícia e cada um podia escolher denunciar ou não seu cúmplice. Na segunda, ambos ficam presos em um veículo coberto pela neve e devem analisar o cenário para decidir unir forças para escapar ou agir individualmente.
Em ambos os casos, um dos indivíduos acreditava que poderia se beneficiar sendo egoísta. No entanto, quanto maior era a evolução do cérebro, mais a pessoa tornava-se disposta a cooperar, descobriram os estudiosos.
“Com frequência cooperamos dentro de grandes grupos de indivíduos que não se conhecem e isso exige capacidades cognitivas para determinar quem está fazendo o que e para ajustar nosso comportamento em função disso”, explicou um dos autores do estudo, Lucas McNally, do Trinity College de Dublin. McNally afirma ainda que a cooperação não é totalmente desinteressada, sendo frequentemente resultado de um cálculo para avaliar os benefícios – principalmente a esperança de uma troca de favores.
O trabalho em equipe e a potência cerebral também se estimulam mutuamente no ambiente de trabalho. Um recente estudo feito pelo Institute for Corporate Productivity (i4cp), nos Estados Unidos, revelou que as empresas que promovem a cooperação entre equipes são cinco vezes mais propensas a atingir um alto desempenho (i4cp, 2017).
- Feedback: a informação que resulta das próprias ações de uma pessoa é chamada de feedback e pode ser definida como o resultado de ações que são capturadas pelos sentidos. Líderes que não conseguem ser claros na comunicação podem deixar seus subordinados inseguros, levando-os a um estado de defesa e sobrevivência. O cérebro tende a ficar confuso com a falta de feedback, considerado uma das principais ferramentas de liderança, desenvolvimento e construção de relacionamentos de confiança.
Para começar, os especialistas geralmente sugerem que os líderes peçam feedbacks simples aos seus comandados, tirando dúvidas, aliviando tensões e deixando-os mais confortáveis para também solicitar feedbacks. Desse modo, ao notarem que o resultado das conversas é positivo e transformador, as pessoas passam a interagir cada vez mais e melhor. Os feedbacks são gradualmente incorporados à rotina organizacional, tornando-se mais naturais e regulares, além de deixar o ambiente de trabalho mais leve e harmonioso (IEDP, 2014).
- Hábitos: o líder é o principal responsável por manter um alinhamento entre os hábitos cultivados pela equipe no ambiente interno e a cultura organizacional, promovendo um equilíbrio entre a maneira de pensar e agir do grupo.
Hábitos são ações executadas sem a participação da mente consciente. É a forma que o cérebro encontra para realizar as tarefas do cotidiano sem precisar se esforçar demais. Esse processo do inconsciente se dá por meio da evocação da memória codificada no cérebro de ações repetidas várias vezes no passado.
“Hábito é tudo o que vem de uma repetição passada, sem acrescentar novo raciocínio ou conclusão, e nele toda crença humana se origina. Ele é um princípio de associação que não depende do raciocínio, tendo origem em experiências passadas de associação de impressões que tendem a se repetir, é um instinto que a natureza colocou no homem” (CONTE, 2011, p. 220).
No entanto, esses hábitos muitas vezes são destrutivos, especialmente quando tomam o controle da situação e interferem no processo de tomada de decisão do líder em uma empresa. Hábitos internos, criados no ambiente de trabalho, frequentemente refletem hábitos da própria liderança. De acordo com Charles Duhigg, repórter norte-americano ganhador do Prêmio Pulitzer e autor do best seller “O Poder do Hábito” (DUHIGG, 2012), “hábitos organizacionais destrutivos podem ser encontrados em centenas de ramos de atividades e em milhares de empresas. E quase sempre são frutos de negligência, de líderes que evitam pensar na cultura e, portanto, deixam que ela se desenvolva sem orientação” (p.173).
- Ritmo cerebral: o cérebro humano é extremamente suscetível a distrações e, paradoxalmente, isso favoreceu nossa sobrevivência ao longo dos anos. O funcionamento cerebral adota ritmos, e grande parte de suas atividades se dá em ciclos. No sono, por exemplo, há a fase de sono leve, profundo e a REM (Rapid Eye Moviment), do movimento rápido dos olhos, na qual sonhamos.
As chamadas “oscilações de frequência theta” são o nome científico para as variações entre foco e desfoque que o cérebro apresenta a cada 4 segundos, em média. Estudos indicam que esse padrão, resultado de uma evolução ao longo de milhares de anos, segue dominante até hoje (PRINCETON UNIVERSITY, 2018).
Durante esses ciclos, o cérebro divide neurônios entre “time titular e time reserva”, ou seja, para cada neurônio concentrado existirá sempre um vizinho preservando energia caso seja necessário mudar de tarefa repentinamente. Conhecer e respeitar esse mecanismo cerebral humano é fundamental em todas as áreas da vida, inclusive no campo profissional. Líderes bem-sucedidos reconhecem os padrões e limitações dos membros de sua equipe, intercalando momentos de trabalho duro e relaxamento para otimizar a performance organizacional.
- Inteligência emocional: possuir um elevado nível de inteligência emocional (IE) é, sem dúvidas, uma das principais exigências para desempenhar qualquer cargo de liderança. A IE corresponde, entre outras coisas, à capacidade de conduzirmos nossas emoções de modo que trabalhem a nosso favor e nos façam alcançar nossos objetivos.
Um bom líder precisa saber o que sente, o que isso significa e como essas emoções podem impactar os outros. No ambiente de trabalho, as pessoas estão continuamente expostas a situações estressantes, pressão, cobranças e frustrações, o que pode gerar uma enorme sobrecarga de emoções negativas. Nesse cenário, cabe ao líder identificar e separar a emoção de todas as interações na equipe, contendo e equilibrando os ânimos – próprios e de terceiros.
A FELLIPELLI sabe a importância das técnicas neurocientíficas para o desenvolvimento das habilidades de liderança, por isso disponibiliza ferramentas internacionalmente reconhecidas para desenvolvê-las, tais como a Formação em Coaching (BBCC), o Lead 4 Success e o IPT® Liderança. Consulte-nos!
Para saber mais:
- Your Brain at Work: Strategies for Overcoming Distraction, Regaining Focus, and Working Smarter All Day Long. D23avid Rock. HarperBusiness, 2009.
- Como ser feliz no meu trabalho?: A neurociência explica o que fazer para transformar o seu ambiente de trabalho rumo à autorrealização. Ron Friedman. Editora nVersos, 2017.
- Your Brain and Business: The Neuroscience of Great Leaders. Srinivasan S. Pillay. Pearson F.T. Press, 2011.
- A Brain for Business – A Brain for Life: How insights from behavioural and brain science can change business and business practice for the better (The Neuroscience of Business). Shane O’Mara. Palgrave Macmillan, 2017.
Referências bibliográficas:
- BENARÓS, S.; LIPINA, S. J.; SEGRETIN M. S.; HERMIDA, M. J.; COLOMBO, J. A. Neurociência y educación: hacia la construcción de puentes interactivos. Rev Neurol, 50: 179-86, 2010.
- RIPLEY, Brian D. Pattern Recognition and Neural Networks. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.
- JORNAL DA UNICAMP, 2005. Edição 287 – 9 a 15 de maio de 2005. Acesso em: 10/08/2019.
- NEUROLEADERSHIP INSTITUTE, 2019. Acesso em: 10/08/2019.
- BRAIN FACTS, 2018. Acesso em: 10/08/2019.
- THE ROYAL SOCIETY, 2012. Acesso em: 10/08/2019.
- i4cp, 2017. Acesso em: 10/08/2019.
- IEDP, 2014. Acesso em: 10/08/2019.
- CONTE, Jaimir. A natureza da filosofia de Hume. Princípios: Revista de filosofia (UFRN), v. 17, n. 28, p. 211-236, maio 2011. Acesso em: 10/08/2019.
- DUHIGG, Charles. O poder do hábito. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012.
- PRINCETON UNIVERSITY, 2018. The spotlight of attention is more like a strobe, say researchers. Liz Fuller-Wright, Office of Communications. Acesso em: 10/08/2019.
- ELGER, Christian E., 2008. Neuroleadership: Erkenntnisse der Hirnforschung für die Führung von Mitarbeitern. Haufe-Lexware.
Tema: Neurociência.
Subtemas: A neurociência no meio organizacional e o funcionamento cerebral..
Objetivo: Desenvolvimento Organizacional, Desenvolvimento de Lideranças, Coaching nas Empresas, Neuroliderança.
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