Ampliando a percepção do todo com neurociência14 min de leitura

“Você aproveita a sua mente ao máximo estudando, em primeiro lugar, o que ela é.”

Tony Buzan

O cérebro humano é o processador mais poderoso do mundo. Ele é capaz de captar informações, analisá-las baseado em uma vida inteira de experiências e apresentá-la para nós em aproximadamente meio segundo. A complexidade e a velocidade dessa dinâmica são tão surpreendentes que nem mesmo o mais moderno computador existente é capaz de reproduzi-las.

A maioria das pessoas, no entanto, não percebe essa incrível eficiência e o quanto de capacidade o cérebro possui para conseguir desempenhar diversas atividades simultaneamente. Agora mesmo, enquanto você lê este artigo, seu cérebro também está medindo seus batimentos cardíacos, pressão e corrente sanguínea, além de observar o seu contexto ambiental.

O cérebro divide-se em dois hemisférios: o hemisfério esquerdo, que controla as áreas responsáveis pela fala, matemática, raciocínio lógico, etc., e o hemisfério direito, “artístico”, ligado à criatividade, música, dança e arte em geral.

Figura 1.0 Cérebro: hemisférios esquerdo e direito.

O cérebro humano é estudado há séculos, porém ainda existem muitas incógnitas a respeito desse “supercomputador”. Allan Jones (Allen Institute, 2018), norte-americano doutor em biologia e consultor do Fórum Econômico Mundial, compara o atual momento da neurociência ao da química no final do século 19. Hoje sabemos muito sobre o que o cérebro controla em nosso corpo, sabemos algumas coisas sobre seus mecanismos internos, mas ainda não conhecemos suas regras gerais de funcionamento, ou seja, as diferentes células cerebrais e como elas se comportam. Na química, uma vez que as regras da tabela periódica foram desvendadas, a humanidade atingiu um novo patamar nessa área. Já no caso da Neurociência, essa tabela periódica está só começando a ser montada.

Neurociência é um conjunto de disciplinas dedicadas ao sistema nervoso e suas funções, além de estruturas, processos de desenvolvimento e modificações que podem ocorrer ao longo da vida. Trata-se de uma abordagem minuciosa sobre o que manda e desmanda em nós. Há diversos campos de conhecimento envolvidos nessas pesquisas, como a neurologia, a biologia e a psicologia.

Como já falamos algumas vezes e sempre reforçaremos, Neurociência e suas pesquisas sobre o cérebro e o sistema nervoso têm evoluído rapidamente nos últimos anos, esclarecendo cada vez mais a relação entre mente e ação. De acordo com descobertas recentes, a mente também apresenta processos automáticos do comportamento, que ocorrem com pouca ou nenhuma percepção. Compreendê-los é fundamental para reconhecer motivações até então ocultas do comportamento humano.

Um dos principais objetivos da Neurociência é observar, mapear e mensurar as “imagens do cérebro” no desempenho de uma tarefa específica, descrevendo o chamado modelo mental de cada pessoa. Entender como esse sistema cerebral funciona pode ajudar não apenas os relacionamentos interpessoais, mas também os processos práticos no contexto organizacional.

Figura 1.1 Neurociência no ambiente empresarial.

Por dentro da Neurociência: modelos mentais

Ao analisar o funcionamento do nosso sistema nervoso, a neurociência busca ampliar nossa percepção sobre tudo – inclusive no mundo dos negócios. A crença de que nossa visão das coisas sempre corresponde à realidade é uma das mais comuns e limitadoras, e raramente questionamos nosso próprio modelo de mundo até que algo nos obrigue a fazê-lo.

É mais fácil quebrar um átomo do que quebrar um preconceito”.

– Albert Einstein

E por que isso ocorre? Uma mesma obra de arte, por exemplo, pode parecer belíssima para um indivíduo e horrível para outro. Os traços são semelhantes para os dois, porém o olhar de cada um produz sua própria percepção do que é contemplado.

Os chamados modelos mentais são pressupostos, histórias e imagens que temos em nossas mentes acerca de nós mesmos e de cada aspecto ambiental, ou seja, são processos cerebrais que utilizamos para dar sentido a todas as coisas. Os modelos têm origens biológicas, de acordo com a carga genética individual; culturais, através de vivências familiares e sociais; e pessoais, por meio de nível educacional, condição econômica e afins (Princeton, 2018).

Nas últimas décadas, avanços tecnológicos e científicos nos possibilitaram observar diretamente o cérebro; com isso, pudemos monitorar os processos cerebrais relacionados a pensamentos específicos e realizar experimentos. Desde então, diversas teorias de Neurociência tentam explicar o que acontece em nossas cabeças.

Diferenças entre modelos mentais explicam por que dois indivíduos podem observar o mesmo evento e descrevê-lo de formas distintas; eles estão prestando atenção a detalhes diferentes. Os modelos mentais também definem nosso comportamento; ao acreditar que todas as pessoas são a priori confiáveis, por exemplo, o diálogo tende a ser mais livre, aberto e tranquilo, ao contrário do que ocorre com quem crê que é recomendável não confiar em ninguém. Modelos mentais costumam ser tácitos, permanecendo abaixo do nível de consciência, frequentemente não examinados ou testados.

Embora possam a princípio parecer abstratos e inconsequentes, os modelos mentais não devem jamais ser desprezados, considerando sua capacidade de determinar o rumo e a qualidade da vida – inclusive profissional. No âmbito corporativo essa questão se torna ainda mais complexa, pois nele há interação contínua entre pessoas com diferentes modelos mentais em torno de negociações e decisões coletivas, também suscetíveis a influências externas.

Modelos mentais representam um conceito mais amplo do que modelos de negócios e inovações tecnológicas porque revelam a maneira como encaramos o mundo. Assim, ainda que modelos possam eventualmente se refletir em novas tecnologias ou tendências comerciais, nem todas essas inovações advêm de um modelo mental verdadeiramente novo. Os modelos mentais humanos são profundos, muitas vezes chegando a ser invisíveis.

Como elemento central de nosso pensamento e percepção, os modelos mentais geralmente emergem em situações de aprendizado organizacional, pensamento criativo e tomada de decisão. Em uma empresa, podemos notar traços de modelos mentais no desenvolvimento de projetos internos, às vezes diretamente ligados à cultura do negócio. Nesse sentido, de acordo com Postigo (2009):

Ser bem-sucedido em um projeto não depende de se obter unanimidade de conceitos, mas é fundamental que se entenda como estes se formam, e isso está ligado aos nossos modelos mentais”.

Figura 1.2 Modelos mentais nas empresas.

Cabe à gestão organizacional gerenciar os modelos mentais, mediando conflitos e conciliando percepções diferentes de maneira positiva. Nos negócios, muitas vezes boas oportunidades são perdidas devido aos modelos mentais vigentes, experiências passadas malsucedidas que limitam ou bloqueiam novos projetos, condenando-os ao fracasso. Esses modelos atuam como barreiras invisíveis construídas pelo próprio indivíduo ou equipe de trabalho, que se tornam inconscientemente escravos de seus pensamentos.

Modificar esse comportamento exige esforço, mas toda pessoa é capaz de analisar e transformar seus próprios modelos mentais. O primeiro passo para isso é descobrir que eles existem e identificá-los. Esta modificação na visão de mundo ocorre quando o indivíduo toma consciência de sua situação e, embora os elementos visualizados continuem os mesmos, a figura formada torna-se significativamente diferente, pois aconteceu uma mudança fundamental na nossa percepção, ou seja, na forma de percebê-la.

É importante notar que, além de as pessoas em geral apresentarem uma grande dificuldade para abrir mão de suas percepções, elas tendem a achar que a sua ideia é sempre a melhor alternativa. Isso evidencia a importância da gestão de conflitos e flexibilidade na elaboração e implantação de projetos mercadológicos, e também a necessidade de incorporar plenamente à cultura organizacional a pluralidade de ideias e as divergências, enxergando-as como recursos estratégicos para desenvolver soluções mais arrojadas e eficientes para uma empresa.

Cultura organizacional de resiliência

Como indivíduos e empresas que inicialmente fracassaram conseguem dar a volta por cima e se tornar expoentes em suas áreas de atuação? Qualquer um que pretenda entrar no mundo dos negócios deve saber, de antemão, que o caminho para o sucesso é longo e repleto de armadilhas. No percurso, crises e momentos desesperadores são inevitáveis.

Por isso, antes mesmo de tirar qualquer projeto do papel é preciso estabelecer alternativas para encarar os momentos críticos, e a formação de uma cultura organizacional de resiliência é fundamental nesse sentido.

A cultura organizacional de resiliência corresponde a um meio em que os princípios de adaptabilidade e resistência são as bases estruturais da empresa. Nesse ambiente, há um estímulo contínuo ao crescimento e toda crise é enxergada como uma oportunidade. Corporações que desenvolveram uma cultura organizacional de resiliência lidam melhor com desafios e flutuações de mercado, pois compreendem que as adversidades podem ser benéficas, ajudando a expandir sua participação no mercado, eliminando competidores e favorecendo compras e fusões.

O eminente Institute of Medicine – IOM acredita que culturas organizacionais de resiliência se formam a partir de práticas de liderança, e defende os seguintes pontos (IOM, 2018):

  • Líderes resilientes promovem a transformação da cultura organizacional;
  • A presença de líderes resilientes é determinante para o engajamento da equipe de trabalho nessa cultura;
  • A liderança resiliente inspira os funcionários a desenvolver sua própria resiliência e superar expectativas.

Henry e Stephens, em seu conhecido tratado sobre sociobiologia (Henry e Stephens, 1977), apontam o impulso para integração social e conexão, ou seja, a necessidade de pertencimento, como uma das motivações sociobiológicas centrais do cérebro humano. Esse impulso por pertencer a um grupo é descrito por Henry e Stephens como o “cimento da sociedade”, porém podemos considerá-lo também o cimento biológico de todo tipo de organização.

A resiliência organizacional está estreitamente relacionada ao grau de ligação de cada membro com a empresa, isto é, à coesão organizacional. Para obtê-la, são indicados sete fatores que atuam na consolidação desse tipo de coesão (HBRB, 2017):

  • Dificuldade de acesso: A dificuldade de admissão em uma empresa faz com que seus colaboradores se sintam especiais.
  • Identidade: trata-se de quanto a identidade individual do funcionário está relacionada à da empresa.
  • Objetivos compartilhados: metas em comum da organização e de seus funcionários.
  • Interdependência colaborativa: a consciência de que o êxito individual depende do sucesso da empresa, o que estimula a colaboração mútua.
  • Confiança: A colaboração mútua baseia-se na confiança; pessoas que trabalham em empresas confiáveis e se sentem seguras em seus cargos desenvolvem menos doenças, têm menos problemas relacionados ao estresse e possuem mais energia e satisfação pessoal.
  • Orgulho: Funcionários orgulhosos da empresa em que atuam são mais comprometidos e produtivos no trabalho.
  • Tamanho: É difícil manter a coesão em equipes muito numerosas. Assim, recomenda-se a divisão das mesmas em subgrupos menores funcionalmente interligados.

Uma vez estabelecidas as medidas que favorecem a formação de uma cultura organizacional de resiliência, os líderes resilientes precisam observar os principais empecilhos nesse processo. Para isso, é necessário aplicar conhecimentos de Neurociência, analisando como o cérebro humano opera. Nesse contexto, destacam-se algumas características cerebrais:

  • Negatividade: Nosso cérebro é “pessimista”, ou seja, tende a ser mais sensível a informações e eventos ruins. Em menos de um segundo ele é capaz de codificar experiências negativas em memórias de longa duração, enquanto a codificação de eventos positivos demora de 10 a 12 segundos. Sendo assim, cabe ao líder promover uma atitude otimista e incuti-la na equipe, buscando estimular uma postura construtiva para melhorar a performance de seus colaboradores.
  • Preguiça: Daniel Kahneman, pesquisador de economia comportamental e vencedor do Prêmio Nobel de Economia de 2002, destaca a preguiça como uma das principais características do cérebro humano. Segundo Kahneman, ao resolver um problema, o cérebro geralmente opta por um raciocínio intuitivo e frequentemente equivocado em vez de se dedicar a pensamentos mais complexos (KAHNEMAN, 2012). Nesse contexto, o líder deve incentivar reflexões mais aprofundadas na tomada de decisões da organização.
Figura 1.3 O cérebro humano é naturalmente preguiçoso e prefere o modo mais fácil e intuitivo.
  • Suposições: Se não receber dados suficientes, o cérebro costuma criar informações por si mesmo. Por isso, os líderes precisam estabelecer uma comunicação completa, precisa e frequente com sua equipe de trabalho.
  • Preocupação: Diante de adversidades, o cérebro torna-se obcecado por encontrar soluções. Esse excesso de preocupação, porém, é prejudicial tanto para a saúde quanto para o desempenho profissional. Sendo assim, o líder deve procurar construir um ambiente de trabalho mais relaxado e acolhedor.
  • Hesitação: O cérebro humano hesita ao lidar com situações novas ou desafiadoras. As dúvidas dificultam a tomada de decisões, e os líderes devem utilizar técnicas e métodos operacionais específicos para reduzi-las.
  • Associações: Como sabemos, a integração social fortalece o espírito de equipe e estimula os funcionários a se envolver mais com a empresa, gerando um aperfeiçoamento contínuo da performance individual e da organização como um todo.
  • Previsibilidade: O cérebro sente-se confortável ao lidar com situações conhecidas e previsíveis. Quando os eventos não ocorrem como esperado, surgem questionamentos e sintomas de ansiedade e “paralisia cognitiva”, ou seja, incapacidade de decidir e agir. Nessas situações, o líder deve buscar estabilizar a equipe e realinhas as expectativas.

Ao ampliar nossos conhecimentos sobre ciências que analisam nosso cérebro e suas interferências, podemos usar nossa capacidade mental e intelectual de modo mais efetivo. Para isso, é importante também conhecer os principais comportamentos sabotadores e eliminá-los, detectar os pontos fortes e potenciá-los e desenvolver a inteligência emocional e social.

Quando compreendemos nosso cérebro e seu funcionamento, nos tornamos mais conscientes e capazes de elevar nosso desempenho, impactando positivamente a rotina e os resultados organizacionais.”

Para saber mais:

  • Mindset: A nova psicologia do sucesso. Carol Dweck. Editora Objetiva, 2017.
  • Resiliência: O segredo da força psíquica. Christina Berndt. Editora Vozes Nobilis, 2018.

Referências bibliográficas

Tema principal: Neurociência, NLI.

Subtemas: Proposta de transformação do ambiente organizacional por meio da construção de resiliência e conceitos de Neurociência.

Objetivos: Neuroleadership, Neurocoaching, Coaching, Cultura Organizacional, Inteligência Emocional, Autoconhecimento, Team Building.

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