Depressão pós-Davos7 min de leitura

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Um crescimento não sustentável e nada inclusivo

Por Joseph E. Stiglitz

 

Este ano, os CEOs de Davos ficaram eufóricos em relação à retomada do crescimento, lucros sólidos e aumento da remuneração dos executivos. Os economistas lembraram que esse crescimento não é sustentável e nunca foi inclusivo; mas em um mundo onde a ganância é sempre positiva, tais argumentos têm pouco impacto.

DAVOS – Estive participando da conferência anual do Fórum Econômico Mundial em Davos*, na Suíça – onde a chamada elite global se reúne para discutir os problemas do mundo -, desde 1995. Nunca saí tão desanimado quanto desta vez.


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O mundo está assolado por problemas quase intratáveis. A desigualdade está aumentando, especialmente nas economias avançadas. A revolução digital, apesar do seu potencial, também traz sérios riscos para a privacidade, segurança, empregos e democracia – desafios que são agravados pelo crescente poder de monopólio de alguns gigantes de dados americanos e chineses, incluindo o Facebook e o Google. E, como sabemos, a mudança climática equivale a uma ameaça existencial para toda a economia global.

No entanto, talvez mais desanimadoras do que esses problemas sejam as respostas. Certamente, aqui em Davos, CEOs de todo o mundo começam a maioria de seus discursos afirmando a importância dos valores. Suas atividades, proclamam, visam não apenas maximizar os lucros para os acionistas, mas também criar um futuro melhor para seus colaboradores, as comunidades em que trabalham e o mundo em geral. Eles podem até “falar da boca pra fora” sobre os riscos que as mudanças climáticas e a desigualdade representam.

Mas, no final de seus discursos este ano, qualquer ilusão que restava sobre os valores que motivavam os CEOs de Davos foi quebrada. O risco com o qual os CEOs pareciam mais preocupados é a repressão populista contra o tipo de globalização que eles moldaram – e da qual se beneficiaram imensamente.

Não surpreendentemente, essas elites econômicas dificilmente compreendem até que ponto tal sistema falhou em grandes faixas da população, na Europa e nos Estados Unidos, deixando a renda real da maioria das famílias estagnada e fazendo com que a parcela da renda do trabalho diminuísse substancialmente. Nos EUA, a expectativa de vida diminuiu pelo segundo ano consecutivo. Entre aqueles com apenas ensino médio, a queda está em andamento por muito mais tempo.

Nenhum dos CEOs dos EUA cujo discurso eu tenha ouvido (ou ouvido falar) mencionou a intolerância, a misoginia ou o racismo do presidente dos EUA, Donald Trump, que esteve presente no evento. Nem foi mencionado o fluxo implacável de declarações ignorantes, mentiras absurdas e ações impetuosas que corroeram a posição do presidente dos EUA – e, portanto, dos EUA – no mundo. Ninguém mencionou o abandono de sistemas para verificar a verdade e da própria verdade.

De fato, nenhum dos titãs corporativos da América mencionou as reduções da administração no financiamento da ciência, tão importante para o fortalecimento da vantagem comparativa da economia norte-americana e o apoio aos ganhos no padrão de vida dos americanos; nem mencionou a rejeição do governo Trump às instituições internacionais, nem os ataques à mídia doméstica e à judiciária – o que equivale a um assalto ao sistema de controles e contrapesos que sustenta a democracia do país.

Não, os CEOs em Davos estavam “esfregando as mãos” com a legislação tributária que Trump e os republicanos do Congresso recentemente aprovaram que entregará centenas de bilhões de dólares para grandes corporações e pessoas ricas que as possuem e dirigem – pessoas como o próprio Trump. Eles não ficam incomodados pelo fato de que a mesma legislação, quando for totalmente implementada, levará a um aumento de impostos para a maioria da classe média – um grupo cuja fortuna esteve em declínio nos últimos 30 anos ou mais.

Mesmo em seu mundo estreitamente materialista, em que o crescimento está acima de tudo, a legislação fiscal de Trump não deve ser celebrada. Afinal, reduz os impostos sobre a especulação imobiliária – uma atividade que não produziu prosperidade sustentável em nenhum lugar, mas contribuiu para o aumento da desigualdade em todos os lados.

A legislação também impõe um imposto sobre universidades como Harvard e Princeton – fontes de inúmeras ideias e inovações importantes – e levará a menores despesas públicas em nível local em partes do país que prosperaram, precisamente porque fizeram investimentos públicos em educação e infraestrutura. A administração do Trump está claramente disposta a ignorar o fato óbvio de que, no século XXI, o sucesso realmente exige mais investimentos na educação.

Para os CEOs de Davos, parece que os cortes de impostos para os ricos e suas corporações, juntamente com a desregulamentação, são a resposta para os problemas de cada país. A economia desacelerada, afirmam eles, garantirá que, em última análise, toda a população se beneficie economicamente. E os bons corações dos CEOs são, aparentemente, tudo o que é necessário para garantir que o meio ambiente seja protegido, mesmo sem regulamentos relevantes.

No entanto, as lições da história são claras. A economia desacelerada não funciona. E uma das principais razões pelas quais nosso ambiente está em uma situação tão precária é que as corporações não estão, por si só, em conformidade com suas responsabilidades sociais. Sem regulamentos eficazes e um preço real para pagar pela poluição, não há nenhum motivo para acreditar que se comportarão de maneira diferente da deles.

Os CEOs em Davos estavam eufóricos sobre o retorno ao crescimento, sobre seus crescentes lucros e compensações. Os economistas lembraram que esse crescimento não é sustentável e nunca foi inclusivo. Mas tais argumentos têm pouco impacto em um mundo onde o materialismo é rei.

Então, esqueça as trivialidades sobre os valores que os CEOs recitam nos primeiros parágrafos de seus discursos. Eles podem não ter a sinceridade do personagem de Michael Douglas no filme Wall Street, de 1987, mas a mensagem não mudou: “A ganância é boa. O que me deprime é que, embora a mensagem seja obviamente falsa, muitos no poder acreditam que seja verdadeira.”.

Referências

How to Lose a Trade War – Jan 26, 2018 STEPHEN S. ROACH
Iran, the Hollow Hegemon – Jan 24, 2018 SHLOMO BEN-AMI
Why Is Japan Populist-Free? – Jan 10, 2018 IAN BURUMA
It’s Time to Let Women Thrive – Jan 24, 2018 ERNA SOLBERG & CHRISTINE LAGARDE
The World’s Priciest Stock MarketThe World’s Priciest Stock Market – Jan 23, 2018 ROBERT J. SHILLER


Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, é Professor Universitário da Universidade Columbia e Economista Chefe do Instituto Roosevelt. Seu livro mais recente é  Globalization and Its Discontents Revisited: Anti-Globalization in the Era of Trump.

Tradução livre/ Fonte: https://www.project-syndicate.org/commentary/davos-ceos-tax-cuts-trump-by-joseph-e–stiglitz-2018-02?lipi=urn%3Ali%3Apage%3Ad_flagship3_feed%3ByclKRvQwQ%2BWEF2YcfsOBpQ%3D%3D

 

*O Fórum de Davos começou como uma pequena conferência sobre gestão. O seu fundador, Klaus Schwab, desejava introduzir as técnicas de gestão norte-americanas para melhorar o baixo desempenho das empresas europeias.

Mas Davos cresceu desmesuradamente desde esse modesto começo. Nos dias de hoje é um encontro anual que reúne cerca de 3000 personalidades mundiais, do mundo empresarial, das finanças e da política.

O Fórum de Davos descreve a sua missão oficial como “melhorar o estado do mundo”. O evento tem lugar num centro de conferências no coração da pequena estância de esqui suíça de Davos. (https://www.rtp.pt/noticias/mundo/davos-2018-o-que-e-o-forum-economico-mundialt_n1053836)


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