Vieses Inconscientes: Atalhos cognitivos para o erro9 min de leitura

Parte 1 de 3 – Desbravando o inconsciente

 “Tudo o que ocorre em nossa vida está ligado ao inconsciente, porque ele é, antes de tudo, a matriz de nossas repetições, sejam elas saudáveis ou não.”

– Gabriel Rolón

Você já sentiu antipatia por alguém que acabou de conhecer? Já se apaixonou à primeira vista? Quando vemos um rosto pela primeira vez, nosso inconsciente decide, em frações de segundo, se aquela pessoa é amiga ou inimiga, e essa habilidade foi essencial para a nossa sobrevivência como espécie ao longo de milênios.

A noção do inconsciente surgiu exatamente desta percepção de que, em certos casos, nossas emoções e atitudes não são baseadas na razão ou no consciente.

Afinal, todos nós possuímos desejos, medos e preconceitos que não conhecemos exatamente a origem, não escolhemos e simplesmente se manifestam em determinadas situações.  

As ideias do psiquiatra austríaco Sigmund Freud, considerado o pai da psicanálise, foram uma enorme contribuição para as pesquisas sobre o inconsciente. No fim do século 19, Freud já dizia que somente uma pequena fração de nossas memórias era ativa, demarcando as fronteiras da consciência. Todo o resto ficava em estado latente, ou seja, oculto na mente.

Para representar essa teoria, ele usava a metáfora do iceberg como um modelo da mente, no qual a maior parte encontra-se submersa. A porção mental consciente corresponderia a um pequeno topo visível.

Figura 1.0 O consciente é apenas a ponta do iceberg, enquanto o inconsciente é tudo aquilo que está no fundo do mar – com enormes dimensões e influências sobre o nosso comportamento

Hoje, porém, esses mistérios da mente humana não se restringem mais à psicanálise; eles tornaram-se um dos campos centrais da neurociência contemporânea, graças a modernas técnicas de mapeamento cerebral que permitem aos cientistas estudar o inconsciente – um universo inexplorado e muito mais vasto e complexo que a consciência.

De acordo com estimativas recentes, apenas 5% do cérebro são ocupados por conteúdos conscientes, enquanto 95% são territórios inconscientes.  

Freud foi de fato um visionário do conceito de inconsciente, porém o florescimento da neurociência nos últimos anos nos levou muito além, viabilizando a “espionagem” do crânio humano em diversos níveis – de fagulhas elétricas em neurônios isolados a mecanismos de ativação que cruzam vastas zonas cerebrais.

Como podemos sentir raiva de nós mesmos? Quem exatamente está aborrecido com quem? Por que é tão difícil guardar um segredo? Por que muitas vezes agimos de modo “impensado” – impensado pela consciência, porém inconscientemente pensado – e nos arrependemos logo em seguida?

As operações de bastidores do cérebro explicam tudo isso e muito mais.

O inconsciente é responsável por todas as atividades que desempenhamos sem esforço aparente, como falar, escovar os dentes e caminhar. Ele opera com força máxima o tempo todo, ao contrário do resto de nosso organismo. Durante uma corrida, por exemplo, os músculos consomem cerca de 100 vezes mais energia do que em estado de repouso – pulmões e coração também serão mais exigidos.

O cérebro, no entanto, opera de modo diferente. Quando você faz alguma tarefa mentalmente desafiadora, como estudar uma matéria difícil ou aprender um novo idioma, ele gasta somente 1% a mais de energia do que se você estivesse parado descansando. Isso ocorre por causa do inconsciente, que trabalha incessantemente até quando estamos dormindo.

Nossos cinco sentidos fornecem continuamente matéria-prima para o cérebro, e cabe ao inconsciente representar tudo em palavras, imagens e símbolos.

Por desconhecermos esses mecanismos inconscientes, frequentemente não damos a devida importância a sua grande influência em nossa vida, ignorando que é ele que orienta a maioria de nossas escolhas e explica muitas de nossas dificuldades.

O inconsciente é um gigantesco depósito de experiências que acumulamos ao longo da vida, porém ele não apenas as armazena, mas as processa e associa em um intrincado processo que só recentemente a neurociência começou a desvendar. Ele corresponde a tudo que habita no obscuro de nossa mente e tem como uma de suas principais funções a manutenção do nosso equilíbrio psicológico – afinal, seria impossível gravar tudo o que vivenciamos e ainda ter plena consciência de cada evento e detalhe.

Eventualmente, porém, ocorrem algumas interações entre o inconsciente e a consciência, o que pode ser positivo ou negativo, de acordo com a capacidade individual de lidar com os resultados desse processo.  

A tomada de decisões é um ponto-chave em todas as áreas da vida. O tema pode tratar de escolhas já feitas e suas consequências, decisões que ainda estão sendo construídas, dificuldades para se decidir ou inércia diante dos rumos da própria existência, ou seja, não assumir a responsabilidade e deixar que os caminhos sejam ditados pelas circunstâncias.

Figura 1.1 O complexo processo mental por trás de nossas decisões.

Introduzido em 1972 pelo psicólogo, cientista comportamental, e economista, ganhador do Nobel de Economia em 2002 por suas contribuições, Daniel Kahneman, e o psicólogo Amos Tversky, o conceito de vieses cognitivos diz respeito a padrões distorcidos, visões tendenciosas e irracionais que geram desvios sistemáticos de percepção e decisões ilógicas em nosso cotidiano (Kahneman & Tversky, 1972).

Anos mais tarde, em 2002, Kahneman seria galardoado com o Prêmio Nobel de Economia pelas implicações no campo financeiro desses insights sobre o funcionamento dos vieses inconscientes.

Mais recentemente, em 2012, ele resumiu décadas de pesquisas sobre o tema em seu best-seller “Rápido e devagar: duas formas de pensar”, no qual retrata o sistema 1 (inconsciente), ágil e intuitivo, e o sistema 2 (consciente), ponderado e racional (Kahneman, 2012).  É importante destacar aqui que os Sistemas 1 e 2 não são partes físicas do nosso cérebro, mas sim um modo abstrato de compreender  seu modus operandi.

Mas como esses tais vieses inconscientes têm tamanho poder de nos induzir ao erro?

O que uma pessoa faz diante de diversos dilemas da vida real – quando tenta decidir, por exemplo, se o chefe aceitaria lhe dar um aumento ou se o cônjuge pode trocá-la por outra – é construir cenários. São narrativas que criamos, enraizadas em nossas lembranças afetivas e crenças mais íntimas, que substituem julgamentos racionais de probabilidade. A produção de um cenário mental convincente tende a limitar o pensamento futuro, ou seja, uma vez que uma situação incerta foi percebida ou interpretada de uma forma específica, fica muito difícil enxergá-la de algum outro modo.

Essas histórias que as pessoas contam para si mesmas quando se veem em impasses podem ter efeitos particularmente prejudiciais em situações de conflito – não é fácil adotar o ponto de vista do oponente em uma partida de xadrez nem no mercado de trabalho.

Por isso, para a maior parte dos “grandes” problemas da vida, preferimos nos basear no julgamento especializado de outras pessoas: médicos, juízes, gerentes de banco, consultores e até olheiros de futebol. Mas como os especialistas pegam pedaços de informação, de algum modo processam isso e saem com um julgamento ou decisão?

Por também serem, antes de tudo, seres humanos, esses profissionais estão tão sujeitos aos efeitos dos vieses inconscientes quanto você e eu.

Ainda em 1986, o psicólogo e ex-presidente da Associação Americana de Psicologia Paul Meehl publicou um ensaio chamado “Causas e efeitos do meu perturbador livrinho” (“Causes and effects of my disturbing little book”), no qual apontava a evidência cada vez mais clara e esmagadora de que havia algo de errado com o julgamento dos especialistas (Meehl, 1986):

“Quando você conduz noventa investigações”, escreveu Meehl, “prevendo desde o resultado de jogos de futebol ao diagnóstico de doenças hepáticas e quando mal consegue reunir meia dúzia de estudos mostrando até mesmo uma tendência fraca em favor dos experts, é hora de elaborar uma conclusão prática. Não se trata de argumentar ad hominem, mas sim de constatar a ubiquidade e irracionalidade recalcitrante na condução dos assuntos humanos”.

Seja em um relatório de lucros, um exame médico ou um relacionamento amoroso, a mente humana – mesmo o cérebro de supostos especialistas – frequentemente se deixa levar por erros de julgamento que podem ser explorados por outras pessoas – devidamente treinadas para “driblar” os vieses inconscientes e se fundamentarem nos fatos.    

É necessário compreender que nunca traremos todo o material inconsciente em um nível de consciência; o que importa, porém, é conseguir acessar o que é mais relevante hoje para o nosso aperfeiçoamento psíquico. 

A FELLIPELLI atua com excelência nas diversas áreas relacionadas ao aperfeiçoamento humano, desenvolvendo a inteligência emocional a partir de técnicas fundamentadas nas últimas descobertas da neurociência para aprimorar os processos de interpretação da realidade e tomada de decisões. Consulte-nos!

Referências bibliográficas

Tema: Neurociência, NLI®,  Inteligência Emocional, EQ-i 2.0®

Subtema: Explorando o inconsciente e descobrindo como os vieses inconscientes influenciam nossos hábitos, comportamentos e decisões. 

Objetivo: Autoconhecimento, Autodesenvolvimento, Coaching, Coaching nas Empresas, NeuroCoaching®.

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