Ego, imediatismo & solidão compartilhada8 min de leitura

Por Adriana Fellipelli, para o Linkedin

Como sentir em um mundo em que nada é feito para durar?

“Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo.”

– Zygmunt Bauman

Em um de seus clássicos, “Amor Líquido”, o sociólogo polonês Zygmunt Bauman afirma: “Relacionar-se é caminhar na neblina sem a certeza de nada” (BAUMAN, 2004).

Figura 1.0 É preciso coragem para caminhar pela neblina e solidificar um relacionamento.

Ao traçar um paralelo entre a velocidade das transformações e a durabilidade dos relacionamentos, Bauman afirma que perdemos o hábito de cultivar relações com dedicação e consertá-las com perseverança. Hoje, dominados pelo ritmo perversamente frenético dos acontecimentos, optamos por simplesmente descartar e substituir – objetos, relacionamentos e pessoas – ao menor sinal de desgaste.

Nesse cenário, até o próprio “ter” deixa de ser essencial, sendo substituído pela necessidade de contínua atualização do que se possui. Essa nova noção de que tudo pode ser momentaneamente possuído, mas jamais retido, é diariamente aplicada às relações afetivas – diversos aplicativos e redes sociais permitem a seleção de pessoas pela “foto de perfil”; posteriormente, se algo nos desagrada na “descrição”, basta apertar o botão “bloquear” e seguir o fluxo de interações efêmeras e superficiais.

Sem aprofundar qualquer comprometimento, as relações tornam-se frágeis, meras conexões fugazes – é sempre possível, a qualquer momento e por qualquer motivo, trocar parceiros, funcionários e empregos por outros “melhores”.  Bauman explica que a “insegurança inspirada por essa modernidade líquida estimula desejos conflitantes de estreitar esses laços e ao mesmo tempo mantê-los frouxos”. Esse conflito evidencia-se por meio das assustadoras altas estatísticas de ansiedade, depressão, burnout e síndrome do pânico ao redor do mundo.  

As interações humanas tornaram-se regidas pela agressão gratuita, na qual não há mais espaço para cordialidade, fraternidade nem respeito por opiniões divergentes.

Ninguém está verdadeiramente ligado a ninguém, e todos estão contra todos, o tempo inteiro.

Nos últimos anos, contudo, a quimera agravou-se; atualmente, relacionamentos líquidos assumiram a volatilidade de um vapor tóxico, e todos nós estamos de alguma forma contaminados.

A progressão exponencial da temperatura de ódios, preconceitos e tensões deu início a uma nova e sombria fase da existência humana: a era da modernidade gasosa.

Os relacionamentos sólidos do passado tornaram-se líquidos e agora, por fim, evaporam.  

Figura 1.1 A transição sólido-líquido-gasosa das relações humanas.

A ebulição egóica

Vivemos sob o domínio do ego; a maioria de nós encontra-se à mercê da própria estática mental, refém dos próprios pensamentos automáticos, involuntários e repetitivos. Algumas pessoas ainda desfrutam de breves períodos livres do domínio da mente – ocasiões em que o amor, a criatividade e a compaixão emergem. Outras permanecem no estado egóico de modo contínuo, alienadas de si mesmas e do todo o mundo ao redor.

Isso acontece porque, embora o cérebro humano seja maravilhosamente complexo e versátil, ele muitas vezes não é capaz de diferenciar um pensamento de um evento real – e, consequentemente, acaba reagindo a todo pensamento como se fosse realidade. Assim, uma preocupação ou medo qualquer é logo interpretado por nós como “estou em perigo”, disparando os batimentos cardíacos, acelerando a respiração e contraindo os músculos, ainda que, de fato, estejamos seguros e confortavelmente sentados no sofá de casa.

Quem é o culpado por isso? A voz na cabeça, ou seja, o ego, que conta ao corpo uma história assustadora em que ele crê sem muitos questionamentos e reage – dando origem às emoções. O componente emocional do ego varia de pessoa para pessoa.

Os pensamentos que levam o organismo a disparar reações emocionais frequentemente são tão velozes que, antes de a consciência ter tempo de processá-los, interpretá-los e expressá-los adequadamente, o corpo já reage com uma emoção, rapidamente convertida em resposta, decisão ou comportamento.

A voz – muitas vezes enganadora – do ego está continuamente perturbando nosso equilíbrio e bem-estar, e esse fenômeno é ainda mais comum nos “gasosos” dias de hoje, em que somos bombardeados por novidades e levados a agir cada vez mais impulsivamente.

Não há tempo ou disposição para reflexões nem autoconhecimento, e assim seguimos arrastados pelo fluxo de pensamento tóxico, incessante e compulsivo.

Estamos nos afogando em informações e famintos por sabedoria”, como atestou de forma sucinta e certeira o biólogo americano Edward Osborne Wilson (WILSON, 2018). E é exatamente a sabedoria que nos revela como prosseguir, por isso estamos tão confusos e perdidos.

A ebulição imediatista

Há um milenar ditado chinês que diz: “se você planeja para um ano, semeie milho. Se planeja para dez anos, plante uma árvore. Se planeja para cem anos, eduque as pessoas”. 

Em um mundo cada vez mais acelerado, somos impelidos a responder a tudo de imediato; ninguém sabe mais esperar, e a paciência parece ter se tornado uma característica antiquada e indesejável. Esse padrão comportamental, conhecido como cultura do imediatismo, afeta diretamente nossa forma de lidar com o passado, o presente e o futuro, transformando a linha do tempo em um só instante indefinidamente estendido.

A cultura do imediatismo revolucionou o modo como nos relacionamos com o tempo, que deixa ser linear e passa a se apresentar da seguinte forma:

  • Todas as experiências passadas são apagadas, afinal, diante de tantas mudanças, conectar-se com o mais antigo e aprender com os erros cometidos parece perda de tempo;
  • É praticamente impossível refletir e planejar o futuro, pois tudo se modifica rápido demais e qualquer tipo de planejamento parece ultrapassado em um piscar de olhos;
  • O presente é contínuo e sufocante, criando um efeito de “eterno instante”.

Em um dos seus livros mais recentes, “Present shock: When everything happens now” (“Choque do presente: quando tudo acontece agora”),  Douglas Rushkoff, professor de estudos de mídia na The New School University de Manhattan, relaciona o surgimento e a intensificação da cultura do imediatismo às mídias digitais, que teriam extinguido o conceito do amanhã (RUSHKOFF, 2014).

De acordo com ele, passamos por uma grande era do “presentismo” e, de fato, o ser humano sempre deseja tudo para agora. Essa natureza fica ainda mais evidente no comportamento infantil; as crianças, afinal, raramente conseguem abrir mão de um desejo imediato em troca de uma recompensa maior e mais importante futuramente.

O círculo imediatista nos envolve e paralisa, levando à perda da capacidade de planejamento e priorização de tarefas e criando uma rotina cada vez mais caótica.

Ainda conforme Rushkoff, isso influencia também nossa tomada de decisões em todas as áreas da vida, tornando-as menos autênticas e mais precipitadas.

O mundo corporativo em geral segue essa tendência: exige produtividade máxima e resultados cada vez melhores, porém não é capaz de compreender que nem todo problema pode ser solucionado “a toque de caixa”. Cair na armadilha de simplificar e apressar demais todos os processos pode criar um terreno fértil para equívocos – eventualmente irreparáveis.

A ebulição da solidão compartilhada

Os grandes avanços tecnológicos recentes, ao mesmo tempo em que proporcionam uma relativa proximidade, também distanciam relacionamentos afetivos reais frequentemente são eclipsados ou substituídos por amizades virtuais, repletas de likes ,mas vazias de sentido e cumplicidade.

Nesse contexto, a solidão compartilhada acaba afastando quem está geograficamente perto e aproxima quem está distante, criando a falsa sensação de que estamos envolvidos em uma interação saudável, quando na verdade estamos deixando de lado os vínculos reais em prol de uma frágil bolha de conexões fundamentadas na ansiedade, na aceleração do pensamento e na urgência.

Somos, portanto, seres solitários rodeados de telas.

Esse talvez seja o maior paradoxo da atualidade: temos a impressão de estar hiperconectados e integrados, porém no fundo nos sentimos cada vez mais isolados e tristes.  

Diante de uma realidade cada vez mais tóxica e intrincada, os assessments despontam como ferramentas terapêuticas capazes de gerar autoconhecimento e soft skills para sobreviver e triunfar em meio a tanta volatilidade.

A FELLIPELLI engloba as diversas áreas relacionadas ao aperfeiçoamento humano, aplicando os mais recentes avanços da neurociência em desenvolvimento pessoal e de equipes, liderança, inteligência emocional e muitas outras. Consulte-nos! https://www.fellipelli.com.br/

Referências bibliográficas

  • BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Editora Zahar, 2004.
  • WILSON, Edward Osborne. O sentido da existência humana. Companhia das Letras, 2018.
  • RUSHKOFF, Douglas. Present Shock: When Everything Happens Now. Editora Current, 2014.

Tema: EQ-i 2.0®, Projeto Emotions

Subtemas: Lidando com a crescente fragilização das relações sociais e afetivas no mundo moderno.

Objetivo: Autoconhecimento, Autodesenvolvimento, Desenvolvimento Organizacional, Coaching, Coaching nas Empresas.