A superação da ilusão da onipotência e o desenvolvimento do autocontrole com a valorização do autoconhecimento.
Por Adriana Fellipelli, para o Linkedin
“O que te trouxe aqui, não te levará até lá.”
– Marshall Goldsmith
O célebre psiquiatra suíço Carl Jung costumava dizer que “todos nós nascemos originais e morremos cópias”. Quando crianças, somos espontâneos, leves, fluidos e indiferentes a convenções sociais. Nossos pais, a escola e a faculdade, porém, logo se encarregam de nos moldar, ensinando bons modos, impondo normas e nos “formatando” em modelos mentais sólidos, rígidos e inflexíveis. Quando finalmente nos formamos e ganhamos nossos diplomas, achamos que estamos preparados para encarar o mundo, só que esse mundo simplesmente não existe mais.
O novíssimo mundo emergente da pandemia do coronavírus e de tantas crises decorrentes dela requer muito mais do que capacitações técnicas; ele exige o desenvolvimento de competências sociais, comportamentais e principalmente emocionais.
Não será mais possível viver no “piloto automático”, retroalimentando o antigo ciclo de trabalhar demais para comprar o que não precisa, com o dinheiro que não tem, para impressionar pessoas das quais nem sequer gostamos. É chegada a hora de repensar a nossa existência, explorando novos modos de ser orientados pelo autoconhecimento.
O erro de Descartes e o insight de Sartre
“O importante não é aquilo que fazem de nós, mas o que nós mesmos fazemos do que os outros fizeram de nós.”
– Jean-Paul Sartre
René Descartes, grande pensador do século XVII considerado o fundador da filosofia moderna, é o autor da famosa frase “penso, logo existo”. Essa máxima foi a resposta que ele deu à pergunta: “Existe alguma coisa que eu possa saber com certeza absoluta?”. Descartes achava que o fato de estar pensando ia além da dúvida, por isso igualou o pensar ao ser, ou seja, o “eu sou”, a identidade, ao pensamento. No entanto, em vez da verdade absoluta, ele descobrira a origem do ego, mas não sabia disso.
Quase 300 anos depois, Jean-Paul Sartre, outro renomado filósofo francês, corrigiu a teoria de Descartes: “A consciência que afirma ‘eu sou’ não é a consciência que pensa”. Quando nos tornamos conscientes de estar pensando, essa consciência não faz parte do pensamento; trata-se de uma dimensão diferente da consciência porque, se não existisse nada além de pensamentos em nós, nem sequer saberíamos que pensamos.
Seríamos como um sonhador que não sabe que está sonhando, e ficaríamos identificados com nossos pensamentos assim como quem sonha vincula-se a cada imagem do sonho.
Ainda hoje, porém, muitas pessoas vivem dessa forma, caminhando nas nuvens, presas a velhos modelos mentais e recriando continuamente as mesmas experiências ruins.
Quando sabemos que estamos sonhando (ou pensando), por outro lado, é sinal de que estamos acordados no sonho (ou na vida), isto é, outra dimensão da consciência foi despertada.
A ilusão da onipotência
“Onde o amor impera, não há desejo de poder; e onde o poder predomina, há falta de amor. Um é a sombra do outro.”
– Carl Jung
Os problemas da humanidade com o próprio ego são atemporais. Um bom exemplo disso foi Alexandre, o Grande (356 a.C. – 323 a.C.), conquistador e rei de um dos maiores impérios do mundo, com território compreendido da Macedônia até a Índia. O “eu” dentro dele almejava ser o dono do mundo, e quase de fato o conquistou.
Alexandre tinha apenas 33 anos, porém já estava cansado, uma vez que toda a sua vida foi dedicada a guerras, sangue e matanças. No fim, quando queria apenas voltar para casa e descansar, não pôde. Morreu na véspera do dia previsto para chegar a Atenas, que estava a somente 24 horas de distância.
Sentindo-se impotente e rodeado pelos melhores médicos da época, Alexandre ouviu deles: “Você não irá sobreviver, não podemos ajudar. Podemos curar doenças, mas não podemos curar a morte. Você está como um cartucho gasto: exauriu toda a sua energia vital nessas lutas intermináveis contra diferentes nações.”
Sendo um homem muito inteligente – Alexandre foi discípulo do grande filósofo Aristóteles -, ele disse então ao seu comandante: “Este é o meu último desejo, e deve ser cumprido. Ao carregarem meu caixão para o túmulo, vocês devem manter minhas mãos penduradas para o lado de fora do caixão. Não tenho fôlego suficiente para explicar a você, mas quero mostrar ao mundo que estou partindo de mãos vazias. Pensava que estava me tornando cada vez maior, mais poderoso e mais rico, porém estava ficando cada vez mais vazio. Quando nasci, vim ao mundo com os punhos cerrados, como se segurasse algo nas mãos. Agora, no momento da morte, não posso ir com meus punhos fechados. Deixem que todos saibam que Alexandre, o Grande, está morrendo com suas mãos vazias, como um simples mendigo.”
E você, quais são suas ilusões de poder e suas eternas batalhas para alcançá-las? O que te faz cerrar os punhos diariamente, enquanto abre mão dos verdadeiros prazeres da vida?
Já experimentou aquela sensação ruim, de impotência, que surge em situações nas quais parece que você não tem o que fazer para reverter o que aconteceu? O sentimento de falta de controle sobre os eventos ao seu redor? Sendo bem realista, vamos continuar tendo essa sensação sim, em vários momentos da vida. Isso porque os fatos frequentemente não têm a ver somente com você ou com algo que fez ou deixou de fazer, mas sim com uma enorme diversidade de agentes externos que podem provocar adversidades.
Nem você nem ninguém pode ter controle de tudo. Embora pareça óbvia, essa é uma realidade que a maioria das pessoas tem muita dificuldade para compreender e aceitar.
Nos habituamos a querer ter o controle das coisas para amenizar o nosso medo do desconhecido. Desconhecer o que pode/como/se vai acontecer nos angustia, e tentativas frustradas de assumir as rédeas de absolutamente tudo muitas vezes resultam em doenças e síndromes.
O Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), por exemplo, desenvolve-se exatamente porque as ações compulsivas e repetidas criam nas pessoas uma ilusão de controle sobre situações do cotidiano (elas pensam: “Devo trancar e destrancar a porta seis vezes para garantir que meu dia será bom”).
Essa ânsia irracional de controlar tudo nos impede de enxergar que nosso principal controle não é o que se tenta obter sobre o mundo, mas sim o exercido sobre si mesmo.
Nos perdemos tentando manipular as coisas à nossa volta, enquanto muito mais saudável e eficaz seria desenvolver o autocontrole, ou seja, o domínio e a temperança em relação aos próprios pensamentos, emoções, instintos, caráter e atitudes. Esses são de fato seus e dependem apenas de você e de como decide administrá-los.
O filósofo grego Epiteto já dizia: “Não são as coisas que inquietam os homens, mas as opiniões deles sobre as coisas”, revelando com isso que o significado que atribuímos ao que nos acontece pode tornar-se um peso tão grande para nós que acaba sendo muito mais relevante do que deveria ser.
Tudo dentro de nós que não observamos e subjugamos transforma-se em nosso próprio guia, líder e também carrasco.
Para evitar essa catástrofe pessoal que acomete cada vez mais gente, é necessário primeiro desconstruir-se para compreender melhor as engrenagens da máquina do seu eu interior, para então tornar-se um “observador de si mesmo”.
Uma filosofia de vida de autoconhecimento é o primeiro passo para entender como “funcionamos”, para então tornar-se capaz de ver as coisas no mundo como de fato são. Nesse sentido, os assessments despontam como ferramentas terapêuticas capazes de gerar autoconhecimento e soft skills. A FELLIPELLI engloba as diversas áreas relacionadas ao aperfeiçoamento humano, aplicando os mais recentes avanços da neurociência em desenvolvimento pessoal e de equipes, liderança, inteligência emocional e muitas outras. Consulte-nos! https://www.fellipelli.com.br/
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- JUNG, Carl Gustav. O Livro Vermelho. Editora Vozes, 2017.
- GUINSBURG, J.; CUNHA, Newton; ROMANO, Roberto. Descartes: obras escolhidas. Editora Perspectiva, 2019.
- SARTRE, Jean-Paul. Ser e o nada: Ensaio de ontologia fenomenológica. Editora Vozes, 2015.
- TOLLE, Eckhart, Um novo mundo: O despertar de uma nova consciência. Editora Sextante, 2007.
Tema: Neurociência, Inteligência Emocional.
Subtema: A importância do autoconhecimento para o desenvolvimento do autocontrole.
Objetivo: Autoconhecimento, Autodesenvolvimento, Desenvolvimento Organizacional, Desenvolvimento de Liderança, Coaching, Coaching nas Empresas.