As relações interpessoais e a Comunicação Não Violenta11 min de leitura

Will Schutz, criador do Firo-B™, era um homem à frente de seu tempo. Ao construir a ferramenta, em meados da década de 1950, contudo, ele jamais imaginaria que ela pudesse ser tão útil, em pleno século XXI.

Muito se fala hoje no poder da Comunicação Não Violenta, método criado por Marshall Rosenberg que tem modificado completamente a forma de lidar com as relações interpessoais.

A CNV traz à luz a reflexão acerca de quem somos. Porém, não no sentido filosófico ou metafísico, mas como nos relacionamos com as outras pessoas, a maneira como as afetamos e as atingimos. Além disso, a CNV revoluciona os conceitos de culpa, medo e atendimento de necessidades.

Qual é o meu grau de consciência sobre mim mesmo na perspectiva de um mundo relacional? De que forma eu vislumbro que os conflitos externos a mim acabam por me afetar internamente? Como eu lido com as minhas necessidades não atendidas, de forma a prejudicar os outros?

Assim como Rosenberg, Schutz já dizia, há mais de meio século, que os relacionamentos implicam, fundamentalmente, em nosso conceito de felicidade. Ele também já sabia que temos comportamentos expressos, visíveis aos outros, e comportamentos desejados – a forma como gostaríamos de ser tratados pelos demais.

Como premissa da teoria que originou o Firo-B™, há inúmeras semelhanças com a CNV. Segundo Schutz:

  • A autoimagem está relacionada aos sentidos e significados que damos às coisas
  • “Sentimentos” se desenvolvem ao redor desses elementos da autoimagem
  • Comportamentos se desenvolvem de acordo com sentimentos e autoimagem
  • Todo comportamento interpessoal está relacionado com autoimagem e expressão física

Rosenberg também acredita nessa formulação. Ele dá ainda um passo à frente: para sermos felizes precisamos nos livrar dos males da dualidade. Quanto mais eu considerar uma pessoa certa ou errada; quanto maior for o meu julgamento acerca dos outros, menos chances eu terei de ser feliz também. O julgamento, em termos duais, é incapaz de levar alguém a se sentir pleno, ou feliz.

Todavia, se pudermos compreender nosso sofrimento, em termos de necessidades não atendidas, fora do âmbito do bem e do mal, encontraremos recursos muito mais eficientes para procurar o sentido mais profundo de nossas existências.

No modelo básico de Schutz, o autoconceito de cada um é a intersecção entre o quanto me sinto competente, querido e importante. Isto é, a qualidade de minhas relações será implacável em minha autoestima. Rosenberg, então, questionaria: como é possível melhorar a qualidade de minhas relações, para que eu possa melhorar meu conceito sobre mim mesmo?

A CNV se arrisca a falar de amor e compaixão, tal como Schutz. Se meu processo de amar e ser amado é ferido por necessidades não atendidas, eu inevitavelmente vou me deparar com a violência. O sofrimento se torna, pois, o resultado de um processo violento.

Segundo Marcelo Pelizzoli, pós-doutor em Bioética:

Em tempos de desagregação e crise do sujeito (altos índices de depressão, estresse, suicídio, ansiedade, tristeza crônica, fadiga emocional, traumas de várias ordens, consumo enorme de psicofármacos etc.), mais do que nunca precisamos e queremos a todo custo nos conectar com a nossa natureza afetiva, cuidadora, de valores humanos, tais como amizade, generosidade, solidariedade, apoio e outras. Mas, por vezes, erramos o caminho, e acabamos por tomar vias que aumentam o sofrimento e que violentam. Por exemplo: dependência de drogas e uso abusivo de álcool, vinganças, consumismo desenfreado, ´esportes´ violentos, adicção de todo tipo, culto narcisista da imagem, culto do poder e do dinheiro, fama e sucesso a todo custo.”

Rosenberg, assim como Schutz, propõe que nós encontremos a verdade humana.

E o que acarreta ser verdadeiro?

É assumir que todos nós estamos em condição de vulnerabilidade e que conduzimos ações, boas ou ruins, em busca de nossa felicidade.

O problema reside em identificar quais são os valores mais profundos que nos levam à felicidade. Muitas vezes, não somos capazes de entendê-los e satisfazê-los. E é por isso que o autoconhecimento, aliado às ferramentas comportamentais, tornam-se indispensáveis no mundo de hoje.

A CNV, assim como o Firo-B™, convidam-nos ao diálogo. No entanto, vale alertar o leitor: o diálogo proposto não é a enxurrada de julgamentos. Diálogo é mais do que mediar, distorcer ou se colocar numa posição de superioridade com o outro.

A CNV crê no reparo do que correu mal, na escuta ativa de ambos os lados, na confissão da vulnerabilidade que levou alguém a se comportar em dissonância com o seu igual.

É necessário, dirá Schutz, ter abertura para a verdade, superando os autoenganos, tão frequentes em nossas conversas. Porque não há espaço para culpados e inocentes. Assim, eu sou capaz de falar acerca de minhas fraquezas, meus medos e, enfim, quais foram as necessidades não atendidas.

Como podemos utilizar a CNV com o Firo-B™

O Firo-B™ é um instrumento simples e situacional, que pode ser utilizado por indivíduos ou equipes. O relatório trará resultados surpreendentes sobre a dinâmica interpessoal do respondente.

Serão contempladas três dimensões fundamentais: INCLUSÃO, CONTROLE e AFEIÇÃO.

Para Schutz, toda interação humana se conecta na inclusão. Quando conhecemos outras pessoas e iniciamos nossos comportamentos com elas. Chamamos para almoçar, marcamos reuniões, etc. Cada um de nós possui uma inclusão expressa, ou seja, visível aos demais, e uma inclusão desejada, interior a nós e invisível aos outros.

Muitas vezes, há um abismo entre o que desejamos e o que expressamos. E é ai que o Firo-B™ se torna tão eficaz. Ao conhecer meus resultados, eu sou capaz de ser mais verdadeiro no contato com as outras pessoas. E posso comunicar isso de uma forma não violenta.

Depois da INCLUSÃO, passamos para a fase de CONTROLE. O quanto eu gosto de ser comandado por outrem; o quanto me faz sentido assumir as rédeas e a liderança. Mais uma vez, temos comportamentos distintos no que expressamos e desejamos.

Por último, com algumas pessoas, criamos uma relação de AFEIÇÃO. Queremos que os demais estejam verdadeiramente em nossas vidas. É a fase que podemos chamar de amor ao próximo. Uma vez mais, é possível que exista uma enorme diferença entre os meus comportamentos expressos e desejados. E ter a consciência disso facilita as minhas relações.

Segundo Schutz, os desajustes na nossa autopercepção são o fruto de uma escolha inconsciente. Escolhemos os nossos sentimentos e nossos comportamentos porque obtemos uma recompensa ao fazê-lo.

A autoestima é consciente e ao mesmo tempo inconsciente. Tudo começa obviamente na infância e desenvolve-se à medida que vamos criando o nosso Self ao internalizar (ou rejeitar) mensagens sobre nós que recebemos dos nossos pais ou de outras pessoas. Não temos consciência de toda a parte do nosso Self. Escolhemos manter alguns aspectos inconscientes porque eles nos causam desconforto ou porque não queremos simplesmente lidar com eles.

A autoestima é o sentimento que temos sobre o nosso Self e é o motor da motivação do ser humano. Quando a imagem que temos de nós próprios corresponde à pessoa que queremos ser, temos então uma autoestima positiva “o que nos faz sentir mais vivos, determinados, responsáveis, conscientes, importantes, competentes e simpáticos”. Pelo contrário, quanto mais nos vemos a nós próprios diferentes da pessoa que queremos ser, mais desiludidos ficamos, e mais raiva sentimos de nós próprios. “Sentimentos de raiva contra si mesmo reduzem a autoestima”.

Na mesma linha de raciocínio, a CNV mapeia as violações e obstáculos na comunicação com o outro e nos ensina a trocar o paradigma. Ela nos traz quatro passos para a compreensão mais profunda de nossos diálogos: “Quais as ações concretas que estamos observando que estão afetando nosso bem-estar; Como nos sentimos em relação ao que estamos observando; Quais as necessidades, valores, desejos, etc., que estão criando nossos sentimentos; Quais as ações concretas que estamos demandando de modo a enriquecer nossas vidas.”

O primeiro passo, portanto, é observar e desvelar as necessidades que estão atrás das falas dos outros e das nossas. É fundamental que esta etapa tenha sucesso, caso contrário, todo o método acaba sendo prejudicado. Nem sempre é fácil observar sem incorporar juízos de valor. Os moralismos incitam à violência. Por exemplo, quando eu digo que fulano é egoísta, eu não estou verdadeiramente observando os comportamentos daquela pessoa. Rotular, diminuir, generalizar o outro acaba nos afastando do entendimento das necessidades.

Nas palavras de Pelizzoli:

Julgamentos moralistas são péssimas expressões de necessidades, pois estes bloqueiam os indivíduos de ter consciência das necessidades suas que não estão sendo atendidas no relacionamento com o outro. Através desta cultura de julgamentos, os seres humanos são educados para pensar que necessitam de aprovação. Tanto julgamentos negativos quanto elogiosos levam a um distanciamento entre o que as pessoas são e desejam realmente.”

Vale ressaltar, neste primeiro momento, que o presente deva prevalecer. Informações sobre o passado ou comentários axiomáticos como sempre e nunca só afastam as pessoas de suas vulnerabilidades e as impedem de modificar determinados comportamentos.

O segundo passo pode ser um desafio para nossa cultura. No senso comum é sinal de fraqueza demonstrar os sentimentos. Também se torna difícil porque muitas pessoas não sabem dar nome às suas emoções. Portanto, ao interpretarem uma fala agressiva ou uma situação negativa, estão a ignorar os próprios sentimentos, partindo naturalmente para a agressividade.

Pode ser complexo, para alguns, aceitar que o outro não é responsável pela própria vida emocional. Ele pode ser o estímulo ou o gatilho para desencadear o sofrimento. Contudo, o protagonista serei sempre eu mesmo. Por exemplo: podemos transformar a fala “você é o culpado pela minha dor” para “me dói o que você fez e não sei como lidar com isso”. Se, em um primeiro momento possa parecer doloroso, a responsabilidade pelo próprio sofrimento acarreta uma escolha: não querer mais ser infeliz.

O terceiro passo é reconhecer que os sentimentos estão colados às necessidades. As necessidades podem ser básicas, como Maslow descreveu tão bem: comida, moradia, vestimenta, etc. No entanto, há outras necessidades imateriais, tão desejadas quanto as básicas. São elas: escolher nossos ideais, comemorar a criação da vida, celebrar os entes queridos, descobrir os propósitos, ter empatia, acolhimento, amor, afeto, interdependência, etc. Ao usar uma comunicação violenta, estamos ferindo os sentimentos de outrem, que para nós podem não ser tão relevantes.

O quarto e último passo é o pedido, ou a demanda. O que me é importante? Mas, para chegar ao pedido é preciso diferenciá-lo de exigência. A exigência é, sem sombra de dúvida, violenta. Ela impulsiona o interlocutor a agir em defesa de si mesmo, muitas vezes de acordo com o cérebro reptiliano. A exigência é imperativa, traduz-se em ordens, mandos, obrigações. A Neurociência nos auxilia nesta hora: se não sentirmos a maternidade de uma ideia, dificilmente obedeceremos. Portanto, nenhum pedido deve ser endereçado dessa forma.

Ao pedir, também é preciso demonstrar nossa fragilidade. As perguntas, nesta fase, são importantíssimas. As confirmações também facilitam a compreensão do interlocutor.

Embora pareça claro e, às vezes, mágico, o método da CNV é rigoroso em relação à mudança verdadeira de nossa forma de comunicação. Utilizar a transparência, a fragilidade e a vulnerabilidade a nosso favor pode ser um caminho árduo. E, para isso, há inúmeras ferramentas que podem acelerar esse processo. O Firo-B™, com perguntas simples e um relatório autoexplicativo, é uma delas.

A Fellipelli Consultoria Organizacional disponibiliza o Instrumento Firo-B™, que possibilita compreender como as necessidades de inclusão, controle e afeição podem determinar os modos como uma pessoa interage com os outros no ambiente profissional ou em sua vida pessoal. Para saber mais, clique aqui.

Tema: Firo-B™ e Comunicação Não Violenta

Subtemas: O Firo-B™ como ferramenta para acelerar o processo de mudança na forma de nos comunicarmos e alcançarmos de fato a CNV.

Objetivo: Coaching, Team Building, Liderança, Autoconhecimento, Autodesenvolvimento, Relacionamento Interpessoal.

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